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Aqui Rubens Pontes: Meu poema de sábado – Cora Coralina, O cântico da Terra

 

Cavaleiros saíram de São Francisco de Goiás e percorreram 130 km até a cidade de Goiás para participar das homenagens a Cora Coralina — Foto: Rodrigo Gonçalves/G1

 

A última sexta-feira desde mês de agosto assinalou um fato ocorrido há 130 anos em Goiás Velho, pequena cidade colonial por onde transitou o bandeirante paulista Anhanguera, em busca de ouro nos rincões de Goiás.

Na época o episódio constituiu uma rotina sem registro além do Cartório da cidade, onde foi anotado o nascimento de Anna Lins dos Guimarães Peixoto, ocorrido no dia 20 de agosto de 1889.

O que não se poderia então prever era o futuro daquela criança frágil, aluna tímida, que recebeu da professora, na sala de aula do grupo escolar o castigo da palmatória por não saber a resposta a uma trivial pegunta , no terceiro ano do curso que marcaria, afinal, todo seu grau de instrução escolar.

Nesta mesma e última sexta-feira desde mês de agosto, 130 anos depois do nascimento de Anna Lins dos Guimarães Peixoto, a extraordinária poeta Cora Coralina, os goianos e os meios da cultura brasileira festejam o fato com o mesmo respeito e o orgulho devidos a uma efeméride histórica brasileira.

As solenidades foram presididas pelo governador do Estado de Goiás, abrindo o “Ano de Cora Coralina” e os Correios lançando um selo comemorativo.

– “Em Cora Coralina, escreveu Lena Castelo Branco Ferreira Costa, estão as raízes de todas nós – a terra, o humus, as rochas e as aguadas; os perfis familiares, as afeições, os desencontros, o cheiro e os ruídos da infância.”

Seus versos nos levam fazem evocar T.S. Elliot na musicalidade dos versos:

“Passa a falange dos mortos…
Silêncio. Os namorados dormem
Flutuam véus roxos no espaço
Na esquina do tempo morto.”

Também faz lembrar Wordworth, poeta dos lagos que nunca se afastou de suas paisagens:

“Vinha dos campos e da mangueira um cheiro fecundo
de vegetais e de apojo, mugidos intercalados da vacada
que à tarde mansamente descia dos pastos procurando a frente da fazenda”.

Aproxima-me de Cecília Meireles:

“A candeia está apagada
e na noite gélida eu me vesti de cinzas”.

Ao escrever sobre Cora Coralina, mesmo assim resumidamente, não se poderá omitir o que escreveu sobre ela Carlos Drummond de Andrade:

– “Assim é Cora Coralina, repito: mulher extraordinária, diamante goiano cintilando na solidão e que pode ser contemplado em sua pureza os livros que escreveu. Cora Coralina, um admirável brasileiro.

Ela mesma se define: “Mulher sertaneja, livre, turbulenta, cultivadamente rude. Mulher terra. Cora Coralina: gosto muito deste nome, que me invoca, me bouleversa, me hipnotisa, como no verso de Bandeira”

Nesta semana de agosto, um mês de episódios tão dramáticos no Brasil e no Mundo, o Portal Don Oleari e o colunista rendem suas homenagens a uma das mais sensíveis poetas da língua portuguesa que, enquanto escrevia seus versos, meio às escondidas, em seus cadernos escolares, se dedicava no fogão a lenha de sua casa para fazer e depois vender doces cristalizados para se manter .

Cora Coralina só teve em vida editados 3 livros:  Poemas dos Becos de Goiás e histórias mais (1965); um livro de Cordel (1976); e Vintém de Cobre: meias confissões e Aninha (1983). Todos os demais, totalizando 16 títulos, foram editados depois de sua morte.

Nota pessoal – Goiás Velho se situa no roteiro de minhas antigas pescarias no Rio Araguaia. Visitei mais de uma vez a casa onde ela morou, hoje museu, debruçado sobre o Rio Vermelho, e com respeito mas com muita gula, nunca me fiz de rogado, comendo sempre e de cada vez, quase meio quilo de doces cristalizados de caju, abóbora, figo e laranja, receitas deixadas pela Poeta e usadas por suas sucessoras.

O Poema desde sábado está publicado em Vintém de Cobre: O CÂNTICO DA TERRA

Rubens Pontes

Capim Branco, MG. Jornalista.

Linki pra ler Passos, Saltos & Quedas, de Rubens Pontes.
http://online.anyflip.com/mitk/xjqj/mobile/index.html?fbclid=IwAR39mt-wlzHGKBAeTSG7cZOD4etEr38ocVyHkE-rPKkwvhpfI8qfvf7khLE#p=10

O cântico da Terra

Cora Coralina

O cântico da Terra
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos

Don Oleari - Editor Chefão

Don Oleari - Editor Chefão

Radialista, Jornalista, Publicitário.
Don Oleari Corporeitcham

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