as putas,
Rodrigo Melo Rego
Coluna As Certinhas do Oleari + Poesia Erótica
A coluna de hoje é dedicada ao nosso mestre Rubens Pontes, que está de férias com sua coluna Meus Poemas de Sábado.
Como só apareço de tempos em tempos em virtude de meu trabalho como professor de Literatura e em pesquisas que me levam a viagens diversas, deixo esta coluna em memória do lendário poeta português Bocage, que encerrou sua tarefa há exatos 217 anos no dia 21 de dezembro de 1805 (Rodrigo Mello Rego).
Bocage é apontado como o maior poeta de Portugal, depois de Camões. No penúltimo verso ele menciona “A Gazeta”, que nada tem com A Gazeta de Vitória/ES. Era um jornal que circulava em Lisboa.
Por sugestão do Editor Chefão do Portal Don Oleari, escolhi um dos seus mais famosos poemas eróticos, Soneto de todas as putas. Ele foi um grande cultor do tema e das inspiradoras do tema (Rodrigo Mello Rego).
Bocage – 15 de setembro de 1765, Setúbal, Portugal – 21 de dezembro de 1805, Lisboa, Portugal)
Putas
Bocage (1765, Setubal -1805, Lisboa) foi o mais importante poeta português do século XVIII.
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, às margens do rio Sado, em Portugal, no dia 15 de setembro de 1765. Filho de José Luís Soares de Barbosa, juiz de fora e ouvidor, e de Mariana Joaquina Xavier l’Hedois Lustoff du Bocage, descendente de família da Normandia, região histórica do noroeste da França.
Em 1783 Bocage alistou-se na Marinha de Guerra, embarcando para a Índia três anos depois, onde foi promovido a tenente e mandado para Damão, desertando logo depois.
Ao fugir da Marinha, viveu em Macau e de lá retornou ao seu país em 1790. No regresso a Lisboa, apaixonou-se pela mulher do seu irmão e entregou-se à boemia. Nessa época, escreveu versos sobre a desilusão amorosa e as dificuldades financeiras.
Bocage e o Arcadismo
Considerado como o grande poeta do Arcadismo de Portugal, apesar de ter deixado fama de poeta satírico, Bocage é um dos maiores poetas líricos da literatura portuguesa.
Com o pseudônimo de Elmano Sadino, participou da associação de poetas denominada “Nova Arcádia” ou Academia das Belas-Artes, que surgiu em Portugal em 1790, escrevendo poesias que falam de pastores, ovelhas e da mitologia clássica.
O próprio nome do movimento faz referência à Arcádia, região da Grécia onde, segundo a mitologia, pastores e pastoras levavam uma vida inocente e feliz, em contato com a natureza.
A academia publicou algumas poesias sob o título de Almanaque das Musas e teve curta duração, conquistando prestígio somente com a produção de Bocage e de José Agostinho de Macedo. Indispondo-se com o mesmo, ao satirizar os confrades, afastou-se da academia.
Carta a Marília
Em 1797 Bocage foi preso ao divulgar o poema Carta a Marília, cujo verso inicial é “Pavorosa Ilusão de Eternidade”.
Acusado de impiedade e antimonarquismo é condenado pela Inquisição e passa meses na masmorra do Limoeiro, de onde saiu para o convento dos oratorianos, até se conformar com as convenções religiosas e morais da época.
Uma das mais solicitadas entre As Certinhas do Oleari
Ao voltar à liberdade, Bocage levou uma vida dedicada à tradução de autores latinos e franceses. Confira um trecho da sua poesia:
Pavorosa Ilusão de Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D’almas vãs sonhos vão, chamado inferno;
Sistema de política opressora,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos termos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenena delícias inocentes! (…)
Poeta Lírico
Bocage deixou fama de poeta satírico e, com o tempo seu nome tornou-se sinônimo de contador de histórias picantes e obscenas. No entanto, o criador produziu também os mais belos poemas líricos, a ponto de ser colocado ao lado de Camões e Antero de Quental, como figuras máximas da poesia portuguesa.
Retrato de Bocage
Ao lado da sátira agressiva, Bocage desenvolveu sua veia amorosa, retratando os seus dramas existenciais numa linguagem emotiva que encontrou grande receptividade entre os leitores daquela época e dos séculos seguintes, se tornando o poeta mais lido em Portugal. O ciúme é a tônica de muitos versos, refletindo sua insegurança em relação ao objeto amado.
Além de sonetos satíricos, Bocage compôs também elegias, odes, fábulas e cantatas. Publicou em vida apenas Rimas, (1791-1804) em III volumes. Poesias (1853) é a melhor coletânea de sua obra.
Além de Pavorosa Ilusão da Eternidade, destacam-se Gratidão e Pena de Talião, dirigida a seu inimigo José Augustinho de Macedo.
A preocupação com a métrica, com a estruturação do poema e a seleção vocabular colocam os sonetos de Bocage como verdadeiras obras-primas.
Relembre um trecho de Convite à Marília:
Já se afastou de nós o inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores,
O prado ameno de boninas vestes:
Varrendo os ares o sutil nordeste
Os toma azuis; as aves de mil cores,
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:
Vem, ó Marília, em lograr comigo,
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
Morte
Manuel Maria Barbosa du Bocage faleceu em Lisboa, Portugal, no dia 21 de dezembro de 1805, há exatos 217 anos.
SONETO DE TODAS AS PUTAS
Manuel Maria Barbosa du Bocage
Não lamentes, oh Nice, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa
Milhões de vezes putas têm reinado
Dido foi puta, e puta d’um soldado;
Cleópatra por puta alcançou a c’rôa;
Tú, Lutécia, com toda a tua proa
Não passa o cono teu por honrado.
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco faleceu (diz A Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa.
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nice, duvidosa
Que isso de virgo é honra alheia.
Rodrigo Mello Rego
jornalista, pesquisador de literatura erótica
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