Episódio ocorrido há mais de 40 anos, numa manhã chuvosa como as chuvas de agora que cobrem as montanhas de Capim Branco/MG, interrompida a saída para mais uma das nossas pescarias na então Ilha de Bananal (*) , me levou à leitura de “A Vida Secreta das Plantas”, de Peter Tompkins e Chistopher Bird (Editora Expressão e Cultura).
(*) Bananal está na divisa de Tocantins com os estados do Mato Grosso (no rio Araguaia) e de Goiás (na porção sul do rio Javaés).
Uma fascinante história em que os autores da obra relembram os estudos de Darwin no Século XIX, completando tese de Carl Von Lineé, pioneiro da botânica moderna, buscando mostrar, entre outras instigantes observações, terem as plantas o poder de mover-se como os animais.
E no encadeamento de lembranças que me conduzem aos novos tempos, destaque para o dogma aristotélico de que as plantas não têm alma, mas possuem sensações, aceito durante toda a Idade Média, cedendo depois espaço para um novo conceito:
– cada gavinha está dotada de um poder de movimento independente, movendo seus corpos com a mesma liberdade quanto o homem.
1 – orquídeas e bromélias
O fisiólogo Chandra Bose, reitor da Universidade de Calcutá, buscou mostrar que as folhas reagiam quase da mesma maneira que os músculos dos animais, e Raoul Francén, pequisador respeitado na Europa, mostra que as ramas “se estendem em direção ao que querem de maneira tão intrigante quanto as mais fantásticas criações da inteligência”, exemplificando com as trepadeiras que buscando escoras se arrastam para o suporte mais próximo para nele se apoiar.
Cientistas abalizados daqueles distantes tempos se tornaram perplexos com o comportamento de uma orquídea – “Trichoceros Perviflorus” – que desenvolve suas pétalas imitando a fêmea de uma espécie de mosca, e fazendo-o com tal perfeição que o macho procura acasalar-se a ela e nesse momento exato a poliniza.
A engenhosidade das plantas em arquitetar formas excede muitas vezes a dos próprios engenheiros. As estruturas criadas pelo homem não se comparam à capacidade de resistência dos longos tubos ocos que suportam pesos fantásticos contra temporais violentos. A inventividade humana não encontrou ainda correspondência com as fibras espiraladas como as de plantas, mecanismo que dificilmente se rompe.
Hoje já se sabe que as plantas são considerada capazes de estabelecer distinção entre sons inaudíveis para o homem, bem como cores que correspondem aos comprimentos de onda infravermelha e ultravioleta que nossa visão não capta.
Os brasileiros, somos mesmo geniais
Conclusões de estudiosos europeus não chegaram no seu tempo ao conhecimento dos brasileiros.
Mas nossa capacidade de observação e a tenacidade apaixonante de nossa gente superam as limitações impostas por falta de acesso a literatura especializada e pela ausência de mecanismos facilitadores de pesquisa .
E foi aí que um nativo da região serrana do Espírito Santo mudou a história.
Foi então que um brasileiro, modéstia às favas, no caso um cidadão nascido no Espírito Santo, se impôs pela capacidade de observação e sabedoria nas conclusões do que observava em espécies conhecidas e foi além, descobrindo e analisando cada nova espécie de orquídea e bromélia da flora brasileira.
Filho de um imigrante austríaco, que se fixou em área de Domingos Martins no Século XIX, quando a mata Atlântica ainda cobria quase todo o território do ES, Roberto Anselmo Kautsky, nascido em Santa Isabel, distrito do município em formação, ainda menino, aos 10 ano de idade, sem nenhuma leitura capaz de embasar sua curiosidade, apaixonou-se pela flora que cobria a área, recolhendo espécimes para plantar no quintal de sua casa.
2 -orquídeas e bromélias
Adulto, sempre tomado de amores pelas plantas, mesmo sem leitura especializada obre o assunto, o vocacionado naturalista se tornou o maior especialista do Mundo em orquídeas e bromélias.
Descobriu 120 espécies delas e mais de 1150 espécies de plantas, catalogadas e publicadas em obras especializadas na Alemanha, Japão e Estados Unidos
Foi Roberto Kautsky quem encontrou nas matas brasileiras a maior begônia do Mundo, com uma haste que ultrapassa dois metros de altura, e também a menor bromélia denominada “Neorelia Kiliputiana”.
Outra importante de suas descobertas na apreciação de estudiosos mundiais foi uma orquídea de três pétalas centrais (todas as outras orquídeas batisdeas possuem apenas uma), batizada de Cattleya schilleriana trillerian trilabeloide “Memória Roberto Klautsky”, enviada para a Alemanha para ser clonada.
Os botânicos alemães cometeram uma barbeiragem e a planta começou a definhar e nem os técnicos do orquidário Vacherot & Lacoufle, de Paris, para onde foi levada, conseguiram salvá-la.
Antonio Toscano de Brito, PHD em botânica e especialista em orquídeas pela Universidade de Reading, na Inglaterra, assegura:
“Kautsky poderia ter sido um dos mais importantes biólogos conhecidos, mas optou viver feliz, com pouca experiência acadêmica, no seu rincão , Domingos Martins.”
Instituto Roberto Kaustky – http://institutokautsky.blogspot.com/
O Portal Don Oleari e este colunista rendem suas melhores homenagens ao cidadão Roberto Kautsky, criador do “Instituto Roberto Carlos Kautsky” em sua propriedade, com uma reserva de 100 mil plantas em 300 mil metros quadrados.
No mesmo local ergueu a Capela União, “unindo todas as religiões em volta da natureza, da grande obra de Deus”, como discursou em homenagem de aniversário o então deputado Nilton Baiano.
Roberto Kautsky nasceu, viveu e faleceu em Domingos Martins aos 86 anos de idade, 76 deles dedicado ao estudo da exuberante flora do Espírito Santo.
Texto e poema publicados na Coluna são as nossas reverenciais homenagens, diretas ou indiretas, ao maior estudioso de orquídeas e bromélias que o Brasil conheceu. Um dos maiores do Mundo.
A poeta Sônia M. Gonçalves, com “Orquídeas”, rende preito à mulher e Carlos Drumond de Andrade, em poema-crônica, homenageia Rubem Braga e por extensão simbólica as orquídeas do Espírito Santo com as quais Roberto Kautsty deslumbrou o mundo.
Rubens Pontes, jornalista
Capim Branco, MG
Orquídeas
Sônia M. Gonçalves
Mulheres…
são orquídeas
bailarinas
disfarçadas
de meninas
nas sendas da vida
dobram o vento
quebram tabus
vestem tutus
de renda
são orquídeas
floridas…
Nasce uma orquídea
Carlos Drummond de Andrade
Entre as desesperanças da hora, e à falta de melhores notícias, venho informar-lhes que nasceu uma orquídea.
Nasceu, isto é, foi batizada. Seu nome de batismo é o do cronista Rubem Braga. A partir deste ano, há uma orquídea com o nome do Braga, ou, se preferem, o Braga virou orquídea.
PhysosiphonBragaeRuschi tem raízes esbranquiçadas, como Braga tem a cabeleira; seu caule primário é recoberto de bainhas agudas, como agudas são as observações que o Braga faz sobre a vida, os homens, as mulheres e as coisas.
Suas flores são comumente geminadas, raramente solitárias. Aí parece haver uma contradição com a natureza do Braga, que combina solidão e geminação, mas, pensando bem, ele é um solitário orquidáceo comunicante, raramente desligado de outra flor.
Augusto Ruschi, sábio admirável, percebeu claramente a relação Braga-terra ao dedicar ao capitão a orquídea vermelho-púrpura.
Não é todo mundo que merece virar nome de flor. A maioria merece justamente o contrário. No caso do Braga, se a orquídea souber, deve ficar satisfeita.
bromélias
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