Consultório
Renato Fischer
Desculpe-me o colega Hipócrates. Segurei por muitos anos, mas a tentação hoje me dominou. Vou transgredir seu juramento de guardar segredo do que me for dito pelos pacientes; do que aconteceu nos consultórios e demais quatro paredes. Que me perdoem demais colegas e que o CFM (Conselho Federal de Medicina) não me puna.
Até mesmo porque, não estou sozinho. Mestres já incorreram no mesmo pecado.
A começar, me escudo com o professor Jose Meireles Filho que nos relata o drama de uma paciente e sua mãe no PS do Hospital das Clínicas de São Paulo, há quase oito décadas.
A moça desmaiada numa maca e a mãe aos prantos pedindo socorro aos médicos pra que salvassem sua filha.
Contou que ela brigara com o namorado e tentou se matar (não se suicidar, por favor) comendo manga com abacaxi.
Um jovem médico, Dr Delmont Bitencourt, cirurgião que mais tarde integraria a equipe do mestre Dr. Zerbini, foi amparar aquela mãe. Disse a ela que dois médicos alemães de nomes Billy e Park haviam desenvolvido um remédio que anularia o veneno daquela mistura frutífera.
E que aquele serviço médico contava com tal medicamento.
Ato contínuo, aplicou na veia da moça um soro com alguma dosagem de ansiolítico. Milagre! A paciente ressuscitou em pouco tempo, pra euforia e choro da mãe que teve que ser contida pra não se curvar e beijar os pés do Dr Bitencourt.
Os nomes dos “Drs. Billy e Park” ressoaram hospital afora e logo viraram “bilipak” e mais tarde “piripaque”, que ganhou o Brasil afora e já consta nos dicionários como sinônimo de crise nervosa, faniquito, chilique…
Um paciente meu também teve um piripaque quando lhe transmiti seu diagnóstico.
– O senhor tem intolerância ao glúten.
– Não pode dotô. Fala um sacrilégio desse não. Como vô vivê? Sem u que eu mais apricio! O que eu mais gosto nas muié é o glutiu. Num vô mais pudê cumê?
Um colega com quem trabalhei muitos anos, amizade que ele interrompeu porque critiquei o mito bozo dele. Peço perdão ate hoje mas, que nada! Ele trabalhou por grande tempo em dois consultórios simultaneamente: no interior de Cariacica/ES e na Praia do Canto, em Vitória, a capital do ES.
Lá, ele aprendeu que defecar era “obrar” e fezes eram “obra”. Flatular era “ventar”. Depois de uma manhã no consultório de Cariacica, vinha ele pra Praia do Canto.
A primeira paciente, uma senhora bem vestida, joias caras, perfumada, senta à sua frente e conta sua história. Segue-se a anamnese e ele manda pra ela:
– tem problema com sua obra?
– Doutor! Não estou reformando minha casa.
Amarelo, ele se conserta e rearranja sua pergunta. Consulta segue e mais à frente ele larga outra:
– a senhora tem ventado muito?
Ela bufa pelas ventas. Como um touro bravo.
Eu também já tive no consultório uma mãe com comportamento de touro bravo. Chegou com um saco plástico preto; acho que era de lixo. Cheio de alguma coisa. Nem me deu bom dia. Virou aquele saco de boca pra baixo em cima da mesa.
Pensei que ocorria um terremoto de escala 15. Fiquei soterrado de caixas de remédios.
– Essa é minha vida. Dou remédio a essa menina o dia todo. Até durante a noite. E nada! Continua magra e não cresce. Não come, doutor! Já levei a mais de dez médicos!
Enquanto isso a pirralha magrela já tinha corrido o consultório todo. Derrubado um livro do armário e quase quebrou minha balança. Aproveitei e já a pesei e medi a altura. Tudo dentro das margens de normalidade.
Voltei à minha cadeira e isolei a mãe. Fui conversar com a nanica. Perguntei se ela gostava de carne.
Silencio
E de chocolate?
Parece que falei a palavra mágica. Com sorriso largo ela me perguntou se eu tinha uma barra.
Orientei à mãe levá-la a uma sorveteria de 6 em 6 horas. Remédio pra crescer.
– Mas não precisa interromper o sono dela. A dose da noite pode ser oferecida antes de deitar.
A mãe, encanhei ao psiquiatra (Renato Fischer).
Renato Fischer é médico, jornalista, radialista, empresário.
Consultório
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