Esperança
“É confortante ter companheiros de infortúnio na desgraça!” – Marlowe
No comics original e na atual série de tv, Sandman, criação de Neil Gaiman, um dos perpétuos, rei e lord dos sonhos, invade os infernos para tentar recuperar o seu elmo roubado e, para isso, fica obrigado a participar de uma luta mortal com um dos demônios.
Neste embate, cada um dos contendores faz um lance, assumindo uma forma defensiva ou ofensiva, como um animal, um vírus, como o próprio mundo ou universo, ao que o demônio tenta vencer, no final, assumindo a figura da besta do apocalipse, a besta do fim dos mundos, de tudo e de todos.
Sandman ganha a disputa assumindo a forma da esperança, dizendo e ameaçando, “que poder teria o inferno, se todos aqui presos fossem capazes de ter esperança, em sonhar com o Paraíso?””
Todas a religiões monoteístas oferecem como recompensa final, post mortem, aos seus fiéis esperançosos, o acesso ao paraíso celestial, e para aqueles, julgados culpados, encaminhados ao inferno: “Deixais toda esperança, vós que entrais”, anunciou Dante Alighieri.
Em tempos difíceis, sombrios, quem ainda sonha com o paraíso terrestre, uma utopia social igualitária, quem ainda tem esperança de um mundo que todos e todas possam ter acesso aos bens e serviços públicos, às artes e á cultura, quem ainda imagina e sonha que poderemos salvar o planeta da destruição ambiental?
“O inferno somos nós”, escreveu Sartre.
O inferno é o mundo que erguemos, um mundo de desigualdades e preconceitos, de ódios e violências, guerras e divisões, um mundo em contínua extinção, um mundo onde as muralhas separam, impedem, cancelam proximidades e invalidam esperanças.
O inferno é o mundo da desesperança, do desalento, das vazias expectativas de dias melhores, que parece ocupar os pesadelos humanos, um inferno sem sonhos.
A recuperação dos sonhos e da esperança é uma tarefa comum, coletiva, um manifesto de vida.
Que poder tem o inferno diante dos s0nhos impossíveis, dos sonhos das crianças, dos sonhos dos sofredores, dos sonhos dos pecadores, das utopias dos jovens?
Kleber Frizzera
Agosto 2022
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes Universidade Federal de Minas Gerais (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da cidade da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.