Viver agora ou depois, eis a questão!
Coluna Contraponto – Eustáquio Palhares
Os desdobramentos da pandemia do Covid, que muitos entendem que devem se perenizar como endemia, logo juntando-se às que constam no nosso cardápio de ameaças sanitárias permanentes como dengue, chikunguya e outros, somente serão adequadamente avaliados numa perspectiva temporal. O tempo nos permitirá digerir uma série de efeitos na nossa rotina e nos novos comportamentos requeridos.
Meu mote predileto, desde há alguns anos, são as rupturas de paradigmas. Os padrões que permaneceram inercialmente e se repetiam, mesmo que as causas que os produziram não existissem mais. Determinada circunstância ou situação modela um padrão.
Com o tempo, aquele fator se extingue, mas o comportamento permanece, repetindo-se interminavelmente. O melhor diagnóstico de um padrão é a indagação: por que isso é assim? e a reiterada evasiva é: porque…porque é….sempre foi…
O paradigma é meio parente da “normose”, o comportamento prevalecente não porque seja o correto ou o adequado, mas o praticado pela maioria. Metade mais um é maioria. Se a maioria pratica, torna-se “normal”.
Fumar já foi “normal”, bulling já foi normal, feminicídio já foi normal – não que tenha se extinguido como hábito cultural, mas pelo menos não é tolerado como normal – a discriminação das minorias já foi normal (novamente, não é que tenha se eliminado mas não é mais aturada como critério de normalidade). Aliás, muito dos velhos padrões de normalidade flagram-se hoje rejeitados pelo politicamente correto.
O novo normal instaura uma revogação radical numa série de costumes e conceitos. Vínculos empregatícios, vestuário, adornos pessoais, relações sociais, segmentação de minorias dentro de minorias, modelos de aprendizagem, valores profissionais, enfim, as mudanças têm um espectro tsunâmico.
Viver agora ou depois
O modo de vida instaurado pela pandemia, num esforço necessário de adaptação imediata acelerou mudanças em curso – porque as mudanças sempre estão em curso, o que varia é sua celeridade – que talvez se consumassem em anos. Décadas em anos e mesmo mês anteciparam transformações tanto comportamentais quanto na percepção dos novos valores.
O confinamento que tornou compulsório o home office, se num primeiro momento causa estranheza pela perda da socialização presencial ao tempo que decreta a socialização virtual ainda está, também, por ter seus efeitos dimensionados. Claustrofobia à parte, ressignificou muitas coisas.
A principal é que a comunicação é a trilha por onde se processam a maioria das relações pessoais, sociais, profissionais e se firma como a essência de todos os processos. O resto é adereço.
Veja-se os grandes eventos de negócios que nutriam uma próspera indústria pela mobilização de tantos fornecedores, ou eventos científicos, feiras, seminários, congressos, simpósios e afins…
A verdade é que todo esse aparato se erigia em torno de um objetivo direto de transmissão de conteúdos que agora se reduzem à sua essência.
A informação que transita na palma da mão pelo mobile, por exemplo, dispensando mídias físicas maiores como um aparelho de televisão, um jornal impresso, etc.
É até redundante lembrar que quase todas as conquistas tecnológicas do século XX encontram-se em um celular.
Assim como a pandemia trouxe-nos uma advertência dolorosa da nossa finitude, esse senso de urgência impõe que reavaliemos tudo, apenas porque o que de fato efetivamente possuímos é o tempo que nos será dado viver e não sabemos quanto. A única variável sob nosso controle é o uso do tempo que não sabemos que dispomos.
Aí, questiona-se tudo em termos de uma objetividade que faça cada dia ser memorável, marcante, realmente digno de ser vivido. Essa percepção remete a uma agenda que reconsidera prioridades. O que se pode planejar prevendo uma situação posterior e o que deve ser imediatamente fruído?
Eustáquio Palhares, jornalista.