Kleber Frizzera: Inútil Paisagem | 22/12

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Inútil Paisagem

Inútil Paisagem, Inútil Paisagem

“De que serve a tarde” | Tom Jobim Aloisio de Oliveira

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No final do dia, o céu se tinge de laranja e rosa, o sol se despede atrás das montanhas, encerram o cenário onde, há quase quinhentos anos, os portugueses penetraram na baía, portos abrigados para as suas caravelas e estabeleceram a cidade.

No centro histórico, sombras ocupam as ruas, escurecem os edifícios e acendem as janelas dos escritórios, uma brisa melancólica penetra nos corpos e nas mentes dos apressados transeuntes que se apressam a voltar para os abrigos de suas casas.

Esta tristeza originária, que se explicita espacialmente, da colonização predatória, violências, dores da escravidão, retorna a cada noite, como uma espessa nuvem, impenetrável destino e culpa coletiva.

A sua redenção exige a graça divina, uma confissão, implica reveras memórias, pagar os erros, desfazer as tristes tardes, os ensanguentados pôr do sol, as escuras manchas e riscos em corpos e construções.

Haverá compensações, penitencias, que lavem, que removam as esgotadas lembranças e violações

  1. Toda história humana contém guerras, agressões, contra os tornados inimigos, pagãos ou estrangeiros, traidores ou apóstatas, condenados em nome de deuses celestes ou ambições materiais. No geral, “a história humana tem sido mais escassez, miséria e exploração do que esclarecimento e civilidade”, já constatou Terry Eagleton.
  2. Nas ocupações urbanas e rurais, nos tempos do comércio, da mineração e do plantio, não há um intervalo para admirar a paisagem, sua variedade e beleza. Os machados, e feitas na régua, as ruas retas, as torres e o cais, definiram a forma do cotidiano, em Vitória, deram jeito, direção e rumo ao caminho do céu, da salvação, dos negócios, das trocas das coisas e das ideias.
  3. O que ficou, restos e ruínas, eventos passados, contos, o que foi desmanchado ou escondido, pelos homens, pelos ventos e brisas marítimas, são marcas de “uma história narrada por um idiota cheia de som e fúria que não querem dizer nada”.
  4. As paisagens, seus aspectos visuais e sensoriais, libertos das exigências produtivas da produção agrícola e extração mineral, revelados à apreciação, ao gozo corporal e estético, os artifícios que desenham harmônicos com a natureza, passaram a ser desejos da experiência humana.
  5. Conduzidos à ordem dos mitos, guardas ou reféns de memórias das origens, quando caçadores ou coletores, apenas recolhiam as primícias da terra, somos lembrados, avaliados pelos erros passados, chamados a corrigir, pela admiração e preservação, os lugares sobreviventes.
  6. Mas conseguiremos, neste processo, apagar as cicatrizes inscritas em mentes e espaços, dos sofrimentos da colonização, das migrações rurais e expansões urbanas, viver uma revisão do inglório passado e fornecer um insurgente futuro?

Dois desejos opostos e complementares movimentam as paixões, a razão e as vontades humanas. Uns, renovam identidades apagadas, imaginam compensações e partições, enquanto outros, a revelar singularidades, buscam ligar os seus pedaços e troços `a valores universais.

Informadas, ambas, pelas ordens materiais e simbólicas do mundo visível e sobrenatural, armadas no usufruto de paisagens e passagens, uma disputa e uma adição se estabelecem sobre as muitas formas do mundo e suas intepretações, vividas nos afetos e trabalhos, nas felicidades e nas dores.

Tornados protagonistas, sítios dos conflitos sociais, montes, rios e pântanos, cidades e vilas, se descobrem repletos de evidências, indicadores, corrigem os seus significados profundos, inovam propostas de salvação.

Existências soterradas retornam à luz, marcas e apagados registros tornam-se então aparentes, aos olhares longos dirigidos às paisagens, se destacam novos gostos, prazeres e mensurações.

Nas profundezas de suas camadas, imaginamos garimpos encantados, florestas majestosas, cachoeiras caudalosas, onde águas límpidas, transparentes, salvam as faltas e pecados, de ontem e de hoje, movimentam verdades e sonhos possíveis.

Kleber Frizzera

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes Universidade Federal do ES (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) – https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.

Dezembro 2023

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Don Oleari - Editor Chefão

Radialista, Jornalista, Publicitário.
Don Oleari Corporeitcham