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Juca Pirama | Gonçalves Dias – 7/5

Juca Pirama

Juca Pirama

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Rubens-Pontes

 

Coluna AQUI RUBENS PONTES: Meu poema de sábado

 

O colunista levou a sinopse ao Poderoso Editor Chefão que o leu atentamente, devolveu-o sem enrugar a testa e fez uma advertência cordial, seu jeito pessoal de tornar amena sua postura  mano-militare:

“Que tal uma explicação do Portal?!”

Pelo sim, a Coluna adverte ser sua história um registro endereçado aos que creem e aos que duvidam, levantado por quem não pretende nem confirmar nem desmentir.

A história é surpreendente para muitos e crível igualmente para muitos, deixando no tempo de ser lenda para se tornar um fato concretamente referendado pela história e confirmada pelo Poder Público Municipal.

A saga do Caboclo índio Tabajara faria La Fontaine se debruçar sobre ela para redigir e se surpreender com uma de suas fascinantes histórias lendárias. Pena que não tenha ele trocado a França pelo Brasil…

Seu início remonta a uma cidade inca plantada nos cumes da Cordilheira dos Andes e se sedimentou, séculos desde então percorridos, em terras capixabas, no Município de Cariacica, fato considerado pela edilidade de importância cultural para a Cidade, com a inauguração, no dia 25 de dezembro de 1952, do Templo Tabajara que se tornaria, num futuro não muito distante, o Santuário de Umbanda Tabajara.

Na mesma fase de tempo, foram criados o Departamento Juventude Tabajara e o jornal O Tabajara, hoje parte do Departamento de Comunicação Social Tabajara, instalados na Rodovia Governador José Sete, número 7,  Vila Tabajara, Cariacica/ES.

No plano de assistência social, a “Planície Tabajara” mantem no País reformatórios, abrigos, hospitais, laboratórios e escolas.

(Fonte: Prefeitura Municipal de Cariacica).

E tudo começou quando um índio  tabajara deixou sua cidade inca,  plantada nos cumes inacessíveis da Cordilheira dos Andes, seguiu o  rio caudaloso, rompeu a floresta até então intocada, venceu distâncias terrestres e entendeu serem  as terras capixabas santo  espaço para a obra que lhe foi pelo Pai maior confiada.

No livro “E o sol brilhou” da cabocla Rosa de Jurema, a missão do índio Tabajara começou com sua vinda desde a cidade inca para a Amazônia, por força de um desdobramento de ordem espiritual.

Descendo dos Andes, seguindo o Grande Rio – o Amazonas – Chimovita, primogênito do primeiro Tabajara, encontrou-se no meio da floresta com uma índia, Rosa, passando a viver juntos, construindo a Taba e nela acolhendo outros irmãos reencarnados, formando a Tribo Tabajara.

A Tribo se expandiu pelo Norte e pelo Nordeste, tendo seu ápice no Ceará. Narra a lenda ter Tabajara como Cacique reencarnado 33 vezes, e desde então seu espírito não precisava mais reencarnar, trabalhando no Astral e através de vários médiuns espalhados pelo Brasil e pelo Mundo.

Diz mais a história do índio Tabajara ter sido ele encarnado no Oriente manifestado com o nome de Monte Azul, e na África, de onde viria sua vibração como Preto Velho, assumindo o nome de Rei do Congo.

Ainda sob registro da Prefeitura de Cariacica, ipsis litere, o espírito de Pae João de Aruanda deu início às primeiras reuniões-etapas da Fraternidade Tabajara e convocou seu espírito para dirigir a “Grande Obra” que se iniciava na  Terra.

As primeiras reuniões foram realizadas na propriedade de Octavio Ferreira Paes, na Vila Tabajara. Seu primeiro presidente foi Geofredo Adolpho Silva.

A narrativa do site da Prefeitura de Cariacica sobre a Lenda do Caboclo Tabajara relata a compra de um terreno de cinco alqueires  na região para abertura de um Terreiro de Umbanda, inaugurado no dia de Natal de 1952 como Templo Tabajara, atualmente consolidado como Santuário de Umbanda Tabajara de Cariacica com suas áreas de pia  batismal e o Vitral Sagrado no Setor de Fluidificação de Águas.

É grande o afluxo de fiéis ao local.

O Portal Don Oleari e o colunista se curvam diante da  fé que anima os homens de boa vontade,  na esperança de termos ainda um Mundo de paz,  substituindo guerras por laços de fraternidade e prestam homenagem aos primeiros possuidores das terras capixabas, como aqueles indígenas que,  na costa da Capitania do Espírito Santo, lutaram ao lado dos descobridores para expulsar os franceses invasores, inspiradores da lenda-história aqui contada.

O poema I Juca Pirama, de Gonçalves  Dias, pouquíssimas vezes publicado na  íntegra, mostra o  que pretendemos dizer.

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Capim Branco, MG

I JUCA PIRAMA

Gonçalves Dias

No meio das tabas de amenos verdores,

Cercadas de troncos – cobertos de flores,

Alteiam-se os tetos d’altiva nação;

São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,

Temíveis na guerra, que em densas coortes

Assombram das matas a imensa extensão.

São rudes, severos, sedentos de glória,

Já prélios incitam, já cantam vitória,

Já meigos atendem à voz do cantor:

São todos Timbiras, guerreiros valentes!

Seu nome lá voa na boca das gentes,

Condão de prodígios, de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,

As armas quebrando, lançando-as ao rio,

O incenso aspiraram dos seus maracás:

Medrosos das guerras que os fortes acendem,

Custosos tributos ignavos lá rendem,

Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

No centro da taba se estende um terreiro,

Onde ora se aduna o concílio guerreiro

Da tribo senhora, das tribos servis:

Os velhos sentados praticam d’outrora,

E os moços inquietos, que a festa enamora,

Derramam-se em torno dum índio infeliz.

Quem é? – ninguém sabe: seu nome é ignoto,

Sua tribo não diz: – de um povo remoto

Descende por certo – dum povo gentil;

Assim lá na Grécia ao escravo insulano

Tornavam distinto do vil muçulmano

As linhas corretas do nobre perfil.

Por casos de guerra caiu prisioneiro

Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro

Assola-se o teto, que o teve em prisão;

Convidam-se as tribos dos seus arredores,

Cuidosos se incubem do vaso das cores,

Dos vários aprestos da honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira

Entesa-se a corda da embira ligeira,

Adorna-se a maça com penas gentis:

A custo, entre as vagas do povo da aldeia

Caminha o Timbira, que a turba rodeia,

Garboso nas plumas de vário matiz.

Em tanto as mulheres com leda trigança,

Afeitas ao rito da bárbara usança,

índio já querem cativo acabar:

A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,

Brilhante enduape no corpo lhe cingem,

Sombreia-lhe a fronte gentil canitar,

II

Em fundos vasos d’alvacenta argila

Ferve o cauim;

Enchem-se as copas, o prazer começa,

Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam,

Sentado está,

O prisioneiro, que outro sol no ocaso

Jamais verá!

A dura corda, que lhe enlaça o colo,

Mostra-lhe o fim

Da vida escura, que será mais breve

Do que o festim!

Contudo os olhos d’ignóbil pranto

Secos estão;

Mudos os lábios não descerram queixas

Do coração.

Mas um martírio , que encobrir não pode,

Em rugas faz

A mentirosa placidez do rosto

Na fronte audaz!

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta

No passo horrendo?

Honra das tabas que nascer te viram,

Folga morrendo.

Folga morrendo; porque além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.

Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,

Lá murcha e pende:

Somente ao tronco, que devassa os ares,

O raio ofende!

Que foi? Tupã mandou que ele caísse,

Como viveu;

E o caçador que o avistou prostrado

Esmoreceu!

Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.

III

Em larga roda de novéis guerreiros

Ledo caminha o festival Timbira,

A quem do sacrifício cabe as honras,

Na fronte o canitar sacode em ondas,

O enduape na cinta se embalança,

Na destra mão sopesa a iverapeme,

Orgulhoso e pujante. – Ao menor passo

Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,

Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,

Como que por feitiço não sabido

Encantadas ali as almas grandes

Dos vencidos Tapuias, inda chorem

Serem glória e brasão d’imigos feros.

“Eis-me aqui”, diz ao índio prisioneiro;

“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,

“As nossas matas devassaste ousado,

“Morrerás morte vil da mão de um forte.”

Vem a terreiro o mísero contrário;

Do colo à cinta a muçurana desce:

“Dize-nos quem és, teus feitos canta,

“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa

O índio, que ao redor derrama os olhos,

Com triste voz que os ânimos comove.

IV

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci;

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas,

De tribos imigas,

E as duras fadigas

Da guerra provei;

Nas ondas mendaces

Senti pelas faces

Os silvos fugaces

Dos ventos que amei.

Andei longes terras

Lidei cruas guerras,

Vaguei pelas serras

Dos vis Aimoréis;

Vi lutas de bravos,

Vi fortes – escravos!

De estranhos ignavos

Calcados aos pés.

E os campos talados,

E os arcos quebrados,

E os piagas coitados

Já sem maracás;

E os meigos cantores,

Servindo a senhores,

Que vinham traidores,

Com mostras de paz.

Aos golpes do imigo,

Meu último amigo,

Sem lar, sem abrigo

Caiu junto a mi!

Com plácido rosto,

Sereno e composto,

O acerbo desgosto

Comigo sofri.

Meu pai a meu lado

Já cego e quebrado,

De penas ralado,

Firmava-se em mi:

Nós ambos, mesquinhos,

Por ínvios caminhos,

Cobertos d’espinhos

Chegamos aqui!

O velho no entanto

Sofrendo já tanto

De fome e quebranto,

Só qu’ria morrer!

Não mais me contenho,

Nas matas me embrenho,

Das frechas que tenho

Me quero valer.

Então, forasteiro,

Caí prisioneiro

De um troço guerreiro

Com que me encontrei:

O cru dessossêgo

Do pai fraco e cego,

Enquanto não chego

Qual seja, – dizei!

Eu era o seu guia

Na noite sombria,

A só alegria

Que Deus lhe deixou:

Em mim se apoiava,

Em mim se firmava,

Em mim descansava,

Que filho lhe sou.

Ao velho coitado

De penas ralado,

Já cego e quebrado,

Que resta? – Morrer.

Enquanto descreve

O giro tão breve

Da vida que teve,

Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,

Mas forte, mas bravo,

Serei vosso escravo:

Aqui virei ter.

Guerreiros, não coro

Do pranto que choro:

Se a vida deploro,

Também sei morrer.

V

Soltai-o! – diz o chefe. Pasma a turba;

Os guerreiros murmuram: mal ouviram,

Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

Brada segunda vez com voz mais alta,

Afrouxam-se as prisões, a embira cede,

A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.

Timbira, diz o índio enternecido,

Solto apenas dos nós que o seguravam:

És um guerreiro ilustre, um grande chefe,

Tu que assim do meu mal te comoveste,

Nem sofres que, transposta a natureza,

Com olhos onde a luz já não cintila,

Chore a morte do filho o pai cansado,

Que somente por seu na voz conhece.

– És livre; parte.

– E voltarei.

– Debalde.

– Sim, voltarei, morto meu pai.

– Não voltes!

É bem feliz, se existe, em que não veja,

Que filho tem, qual chora: és livre; parte!

– Acaso tu supões que me acobardo,

Que receio morrer!

– És livre; parte!

– Ora não partirei; quero provar-te

Que um filho dos Tupis vive com honra,

E com honra maior, se acaso o vencem,

Da morte o passo glorioso afronta.

– Mentiste, que um Tupi não chora nunca,

E tu choraste!… parte; não queremos

Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: – arfando em ondas

O rebater do coração se ouvia

Precípite. – Do rosto afogueado

Gélidas bagas de suor corriam:

Talvez que o assaltava um pensamento…

Já não… que na enlutada fantasia,

Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,

Do velho pai a moribunda imagem

Quase bradar-lhe ouvia: – Ingrato! Ingrato!

Curvado o colo, taciturno e frio.

Espectro d’homem, penetrou no bosque!

VI

– Filho meu, onde estás?

– Ao vosso lado;

Aqui vos trago provisões; tomai-as,

As vossas forças restaurai perdidas,

E a caminho, e já!

– Tardaste muito!

Não era nado o sol, quando partiste,

E frouxo o seu calor já sinto agora!

– Sim demorei-me a divagar sem rumo,

Perdi-me nestas matas intrincadas,

Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;

Convém partir, e já!

– Que novos males

Nos resta de sofrer? – que novas dores,

Que outro fado pior Tupã nos guarda?

– As setas da aflição já se esgotaram,

Nem para novo golpe espaço intacto

Em nossos corpos resta.

– Mas tu tremes!

– Talvez do afã da caça….

– Oh filho caro!

Um quê misterioso aqui me fala,

Aqui no coração; piedosa fraude

Será por certo, que não mentes nunca!

Não conheces temor, e agora temes?

Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,

E contra o seu querer não valem brios.

Partamos!… –

E com mão trêmula, incerta

Procura o filho, tacteando as trevas

Da sua noite lúgubre e medonha.

Sentindo o acre odor das frescas tintas,

Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente…

Do filho os membros gélidos apalpa,

E a dolorosa maciez das plumas

Conhece estremecendo: – foge, volta,

Encontra sob as mãos o duro crânio,

Despido então do natural ornato!…

Recua aflito e pávido, cobrindo

Às mãos ambas os olhos fulminados,

Como que teme ainda o triste velho

De ver, não mais cruel, porém mais clara,

Daquele exício grande a imagem viva

Ante os olhos do corpo afigurada.

Não era que a verdade conhecesse

Inteira e tão cruel qual tinha sido;

Mas que funesto azar correra o filho,

Ele o via; ele o tinha ali presente;

E era de repetir-se a cada instante.

A dor passada, a previsão futura

E o presente tão negro, ali os tinha;

Ali no coração se concentrava,

Era num ponto só, mas era a morte!

– Tu prisioneiro, tu?

– Vós o dissestes.

– Dos índios?

– Sim.

– De que nação?

– Timbiras.

– E a muçurana funeral rompeste,

Dos falsos manitôs quebrastes maça…

– Nada fiz… aqui estou.

– Nada! –

Emudecem;

Curto instante depois prossegue o velho:

– Tu és valente, bem o sei; confessa,

Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!

– Nada fiz; mas souberam da existência

De um pobre velho, que em mim só vivia….

– E depois?…

– Eis-me aqui.

– Fica essa taba?

– Na direção do sol, quando transmonta.

– Longe?

– Não muito.

– Tens razão: partamos.

– E quereis ir?…

– Na direção do acaso.

VII

“Por amor de um triste velho,

Que ao termo fatal já chega,

Vós, guerreiros, concedestes

A vida a um prisioneiro.

Ação tão nobre vos honra,

Nem tão alta cortesia

Vi eu jamais praticada

Entre os Tupis, – e mas foram

Senhores em gentileza.

“Eu porém nunca vencido,

Nem nos combates por armas,

Nem por nobreza nos atos;

Aqui venho, e o filho trago.

Vós o dizeis prisioneiro,

Seja assim como dizeis;

Mandai vir a lenha, o fogo,

A maça do sacrifício

E a muçurana ligeira:

Em tudo o rito se cumpra!

E quando eu for só na terra,

Certo acharei entre os vossos,

Que tão gentis se revelam,

Alguém que meus passos guie;

Alguém, que vendo o meu peito

Coberto de cicatrizes,

Tomando a vez de meu filho,

De haver-me por se ufane!”

Mas o chefe dos Timbiras,

Os sobrolhos encrespando,

Ao velho Tupi guerreiro

Responde com tôrvo acento:

– Nada farei do que dizes:

É teu filho imbele e fraco!

Aviltaria o triunfo

Da mais guerreira das tribos

Derramar seu ignóbil sangue:

Ele chorou de cobarde;

Nós outros, fortes Timbiras,

Só de heróis fazemos pasto. –

Do velho Tupi guerreiro

A surda voz na garganta

Faz ouvir uns sons confusos,

Como os rugidos de um tigre,

Que pouco a pouco se assanha!

VIII

“Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste?

Não descende o cobarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de via Aimorés.

“Possas tu, isolado na terra,

Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra,

Rejeitado dos homens na paz,

Ser das gentes o espectro execrado;

Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres,

Tenham alma inconstante e falaz!

“Não encontres doçura no dia,

Nem as cores da aurora te ameiguem,

E entre as larvas da noite sombria

Nunca possas descanso gozar:

Não encontres um tronco, uma pedra,

Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,

Padecendo os maiores tormentos,

Onde possas a fronte pousar.

“Que a teus passos a relva se torre;

Murchem prados, a flor desfaleça,

E o regato que límpido corre,

Mais te acenda o vesano furor;

Suas águas depressa se tornem,

Ao contacto dos lábios sedentos,

Lago impuro de vermes nojentos,

Donde fujas com asco e terror!

“Sempre o céu, como um teto incendido,

Creste e punja teus membros malditos

E oceano de pó denegrido

Seja a terra ao ignavo tupi!

Miserável, faminto, sedento,

Manitôs lhe não falem nos sonhos,

E do horror os espectros medonhos

Traga sempre o cobarde após si.

“Um amigo não tenhas piedoso

Que o teu corpo na terra embalsame,

Pondo em vaso d’argila cuidoso

Arco e frecha e tacape a teus pés!

Sê maldito, e sozinho na terra;

Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, cobarde, meu filho não és.”

IX

Isto dizendo, o miserando velho

A quem Tupã tamanha dor, tal fado

Já nos confins da vida reservada,

Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias

Da sua noite escura as densas trevas

Palpando. – Alarma! alarma! – O velho pára!

O grito que escutou é voz do filho,

Voz de guerra que ouviu já tantas vezes

Noutra quadra melhor. – Alarma! alarma!

– Esse momento só vale a pagar-lhe

Os tão compridos trances, as angústias,

Que o frio coração lhe atormentaram

De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.

Ele que em tanta dor se contivera,

Tomado pelo súbito contraste,

Desfaz-se agora em pranto copioso,

Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,

Gritos, imprecações profundas soam,

Emaranhada a multidão braveja,

Revolve-se, enovela-se confusa,

E mais revolta em mor furor se acende.

E os sons dos golpes que incessantes fervem,

Vozes, gemidos, estertor de morte

Vão longe pelas ermas serranias

Da humana tempestade propagando

Quantas vagas de povo enfurecido

Contra um rochedo vivo se quebravam.

Era ele, o Tupi; nem fora justo

Que a fama dos Tupis – o nome, a glória,

Aturado labor de tantos anos,

Derradeiro brasão da raça extinta,

De um jacto e por um só se aniquilasse.

– Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

– Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,

E para o sacrifício é mister forças. –

O guerreiro parou, caiu nos braços

Do velho pai, que o cinge contra o peito,

Com lágrimas de júbilo bradando:

“Este, sim, que é meu filho muito amado!

“E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,

“Corram livres as lágrimas que choro,

“Estas lágrimas, sim, que não desonram.”

X

Um velho Timbira, coberto de glória,

Guardou a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Dizia prudente: – “Meninos, eu vi!

“Eu vi o brioso no largo terreiro

Cantar prisioneiro

Seu canto de morte, que nunca esqueci:

Valente, como era, chorou sem ter pejo;

Parece que o vejo,

Que o tenho nest’hora diante de mi.

“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!

Pois não, era um bravo;

Valente e brioso, como ele, não vi!

E à fé que vos digo: parece-me encanto

Que quem chorou tanto,

Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”

Assim o Timbira, coberto de glória,

Guardava a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi.

E à noite nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”

Juca Pirama

Ministério Público denuncia Gilvan da Federal por racismo e discurso de ódio | 6/5

Juca Pirama

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