Fantasmas
“Escrever cartas é despir-se diante de fantasmas. Eles esperam avidamente esse gesto. Os beijos escritos não chegam ao destino. Os fantasmas os absorvem no caminho – Franz Kafka, em “Cartas a Milena”.
Em tempos das redes sociais, onde diariamente nos mostramos, nos exibimos nus, nossos corpos e espíritos ao gosto e crítica pública e almejamos likes do mundo digital, quando nossos apelos se reduzem a retornos silenciosos, quando nossos afetos se esgotam na multidão dispersa, imaginemos onde, como e quais os fantasmas, que segundo Kafka, absorvem nossos caminhos e mensagens.
A solidão das grandes cidades, os esvaziamentos das relações pessoais nas expandidas metrópoles, a competição imposta à vida pessoal e profissional, são aspectos constitutivos do mundo contemporâneo.
Depressões, pânicos, sofrimentos psíquicos e mentais, angústias e os receios diante da presença dos outros corpos, diferentes e julgados perigosos, negros, trans, mulheres, pobres, acumulam marcas nos corpos e mentes dos indivíduos urbanos.
Nos intervalos das cidades, fantasmas de superpostas épocas habitam, sorrateiros, nossas ruas, vazios e edifícios, acompanham mudanças e lamentam, atentos, as humanas oportunidades e projetos perdidos, histórias incompletas, observam amores desperdiçados.
Dos seus esconderijos aguardam, em tocaia, a oportunidade para romper o lacre das cartas extraviadas, para revelar seus despidos afetos, buscam absorver nossos sonhos e aspirações, cancelando memórias e aspirando desejos imortais.
2 Desfeita a aliança entre a escrita e a memória, arquivadas nas liquidas nuvens digitais, narrativas não tem como escapar desta captura, diante do avanço dos espectros que ocupam os nevoeiros urbanos.
Incapazes de deglutir tantos e inúmeros coisas e fazeres, deixam vazar resíduos, desperdiçam restos que se somam às pilhas de lixo de histórias, vestígios sem profundidade, ativam vozes que fornecem espantos e surpresas para o presente desencantado.
As cidades, como Vitória, de uma longa história, como o planalto de Serra, de recente e expandida ocupação, ou as suas diferentes vizinhas na metrópole, Vila Velha e Cariacica – todas no Espírito Santo – nas suas particulares urbanizações, eventos e pessoas, são todas assombradas pelas sobras, construídas ou vividas, que ficam expostas, em ruínas ou em interrompidas identidades, destinadas à rememoração ou ao abandono.
Assim, a ruína me ensinou a ruminar, perfaz Shakespeare, e quando palavras e conhecimentos perecem na escuridão, nada mais explicam, sobram montes de resíduos e partes remanescentes, a nos desafiar, “não somos impotentes – nós, pedras pálidas, e completa Poe, “nem todos os mistérios residem em nós – e nos envolvem como vestido largo”.
Entre o temor do esquecimento, que apaga lentamente as nossas vidas, que desfaz os acontecimentos, diante de marcas e paredes que retém os riscos ritos de passagens e o acúmulo dos arquivos que afogam lembranças, novas e maravilhosas mentiras são inventadas, a todo tempo, mesmo esvaziadas de verdades, para manter a vontade de persistir vivendo.
Saberemos reiniciar o controle da memória, da imaginação e da razão instrumental apropriadas pelas ferramentas digitais, restaurar a força, a alegria e o poder do que nos foram legados, em gestos, imagens, palavras e lugares, que antes me abraçavam o corpo e a alma, cantos enevoados, cantos matinais: “mas quando vão embora, e vai-se junto toda a paisagem, onde o paraíso?” (Wallace Stevens)
Kleber Frizzera – Julho 2023
Kleber Frizzera | Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes (Universidade Federal do ES – 1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) – https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.
Fantasmas
Edição, Don Oleari – [email protected] –
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