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Kleber Frizzera: Redenção | 9/7

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…”e uma cruel desilusão,

foi tudo que ficou, pra machucar meu coração”.

Ary Barroso

 

Acabado o prazo de validade, no limite último da finitude material e humana, nas nossas cidades, centros e vilas, edifícios tentam se manter vivos, mantidos escorados, fragilizados diante dos inexoráveis pesos e forças do destino, do capital e do tempo.

Suportaremos os seus tristes fins, seus desgastes e desmoronamentos, verteremos furtivas lágrimas sobre suas ruínas, e encerrados os atos expiatórios, perderemos definitivamente suas memórias encravadas passadas?

Deixaremos nos levar, como o rio que nunca mais retorna, água e fluxo, ao mesmo ponto e margem, que nunca mais passará sob os arcos da ponte de pedra, ou retesado o braço, lançaremos uma flecha ao passado, apontada aos fragmentos entulhados, ocupados ao denso olhar?

Aliviados, movimentamo-nos nas ruas, aspirando, casa após casa, de seus quintais o doce odor das trepadeiras e glicínias, vésperas da salvação, debruçados seus galhos e espinhos no profundo recorte da mata.

Sagazes à observação pública, uma série de brasões e frontões, de estuque ou de mármore cinzelados, mantem-se no alto das construções, recortes de abandonados valores e das fontes de suas primeiras ilusões.

Mas não recordamos, esquecemos, como o anjo, de asas abertas contra o vento do futuro, das superpostas catástrofes e pandemias, das violências contra o índio, o escravo, contra o meeiro, o trabalhador.

Não nos lembramos das perdas, enterrados os pedaços e partes deslocadas, escondidos projetos esclarecidos e vontades estilhaçadas pela dor e pelo isolamento, impostas à província a sina de esconder suas penas em medíocres escrevinhadores e gazetas.

Sobram as marcas duras nos corpos, da chibata e do trabalho escravo, da repetição sem fim do esforço inútil, repetido, sem fim.

Sobram, escondidas, os destinos do poder e da humilhação, na pele e na boca o gosto amargo do sofrimento.

Sobram, ditas, as histórias de mãe para filha, sobram as conversas de companheiros, de vizinhos de dor e exploração, de colegas da alegria e expectativa.

Como os homens, as construções são efémeras, finitas, amargam com o tempo, cicatrizes, se tornam velhas e infelizes, apagadas, mortiças em seus cantos. Abandonadas, tornam-se imprestáveis, inúteis, em rugas suas faces, e ao sol e à  chuva, vão se embotando, pálidas a uma força maior, que derruba estruturas e faces. Mais tempo, apenas poeira enfrenta os séculos, ventos e tempestades, e ao visitante desatento, a vida se esvaiu decaída sem começos, interesses ou fins, encerrando significados e afetos.

Apenas seus cheiros permanecem, suados, de barro e tijolo, essências de pedra e cal, de madeira e duras ferragens.

Mas que fazer deste peso morto, deste cadáver insepulto que obstrui as ruas e os quarteirões, massa desforme, sepulcral, despida de sentidos, onde somente habitam espíritos e fantasmas.

Cabe guardar os mortos?

Deixá-los ficar, fantasmas, uma reserva contra o insensível capital, uma parede frágil à avalanche do tempo, a preservar as ruínas contra o mal maior?

Que nos aguardará, a vida nos seus limites, de sua finitude, da incerteza de suas partes e totalidades?

Uma (im)possível aliança, mortos e vivos somando perdas e ganhos, e darão resultados dos desejos insatisfeitos, prestarão contas das promessas incumpridas, das insensatas arrumações anunciadas.

Nossos lugares, insistentes, possam ainda falar, de suas origens, de  incompletas vidas que circularam em seus pedaços, entre ruídos e cheiros impertinentes, dos que foram, dos que restam ainda desmembrados, mas persistentes.

Ouçamos atentos seus casos, onde dispersos, eventos felizes e tristes, chegadas e partidas, amores e dores, felizes e tristes momentos únicos, fazem encontros e desencontros.

Apreciemos as suas faces, revoltas, as suas marcas, as suas tintas, as folhas que, de ano em ano, ocuparam as calçadas, encheram seus jardins e caminhos.

Complacentes seus telhados, de escuras telhas empoeiradas  pela areia, pelo medo, retidos seus ventos e destinos indesejados, protetores e guardiões, aguardam a redenção.

Então.

Kleber Frizzera

Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da cidade da Prefeitura de Vitória ( 2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.

Foto de capa: Centro de Vitória

https://www.escavador.com/sobre/1737531/kleber-perini-frizzera

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Don Oleari - Editor Chefão

Radialista, Jornalista, Publicitário.
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