Kleber Frizzera, professor do Departamento de Arquitetura da Ufes (Universidade Federal do ES), engenheiro, arquiteto e mestre em arquitetura pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), secretário de Desenvolvimento da Prefeitura de Vitória/ES de 2003 a 2010.
Nada mudou?
Dentro de mim, dentro de ti nada mudou
Dipaullo & Paulino
Nada e’ real
Todo mundo me diz bom dia,
Todo dia e ‘sempre igual
Nada mudou.
Leo Jaime
No episódio 1 da terceira temporada da série Love Death mais Robots, três máquinas inteligentes visitam o planeta Terra, um mundo pós apocalipse, para verificar as últimas tentativas de evitar a extinção da humanidade.
Campos de sobrevivência, de pobres libertários, fortalezas, que abrigam os líderes mundiais ou ilhas tecnológicas, destinados para os ricos, mantiveram nos seus interiores a ganância e a violência humana, dispendendo os escassos recursos disponíveis de forma egoísta e concentradora, e levando ao fim disputas e enfrentamentos por alimentos e a morte de seus ocupantes.
Ao final do episódio, os robots descobrem que os super ricos teriam sido embarcados em foguetes, lançados a um novo paraíso, no planeta Marte, para surpresos, na última cena, ao levantar-se a máscara do capacete espacial de um sobrevivente, um gato, ironicamente pergunta se achamos que seria o Elon Musk.
Muitos acharam, ou ainda acham, que a pandemia recente de coronavírus poderia alterar os hábitos, os comportamentos ou valores da espécie humana. Imaginava-se que diante do sofrimento e perdas coletivas, das rígidas exigências de afastamento social e de atividades remotas, retornaríamos do isolamento mais igualitários, mais solidários, menos arrogantes e mais dispostos a partilhar os bens comuns e proteger e preservar o meio ambiente.
A pandemia deu uma folga, e logo voltaram as guerras, os massacres, feminicídios, os desastres naturais urbanos, os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos, ampliando as desigualdades sociais, preconceitos e ódios raciais. Nas cidades e ruas, automóveis engarrafados continuam a gastar energia fóssil, os transportes coletivos continuam insuficientes e protegidos por muros, condomínios residenciais buscam, iludidos, viver mundos alternativos e segregados.
Atividades precárias ampliam as horas de trabalho explorado e de reduzidos ganhos, e, ao contrário, os ganhos de capital financeiro explodem com o abusivo aumento dos juros e lucros.
Nada mudou?
Catástrofes, pragas, epidemias, grandes guerras e genocídios acompanham por séculos a história e a ambição da exploração sem limites dos recursos naturais, um evento recente, e parecem não alterar os gostos e os desejos de poder e dinheiro. Passados os momentos críticos, o esquecimento varre da memória as dores e sofrimentos alheios, e mesmo com os repetidos alertas dos riscos de extinção da vida planetária, mantemos os nossos modos de produção e consumo dos objetos e produtos, a acumulação ilimitada do capital, os gastos suntuários.
Que pode significar esta falta de compromissos com as vidas das atuais e futuras gerações, o descaso com o ambiente terrestre e o profundo egocentrismo que parece ocupar as mentes e corações das burguesias, das elites econômicas e boa parte das classes médias?
Nada nos confirma ou garante que a aliança divina seja eterna e que o próprio criador não tenha se cansado dos fracassos humanos, que a nossa presença terrestre, resultado de complexo e eventual processo de evolução continue para sempre e que a soma de imprevisões nos lance, ao final dos tempos, ao fundo escuro da poeira cósmica.
Um profundo pessimismo contamina os jovens, que mal aguardam que recebam um futuro melhor, ansiosos e deprimidos, em pânico, esperam que tenham ainda tempo para impedir o desastre aparente, e um desânimo afasta os idosos de um outro esforço em vão.
Esgotadas as últimas oportunidades, restarão apenas os gatos, herdeiros de nossos ganhos e fracassos, com seus suaves passos e delicados grunhidos, para anunciar ao universo o fim de um belo projeto divino e humano.
Kleber Frizzera
Junho 2022
Foto de capa: Gato Robô Neko Chan.
Destaque da Redação PDO
A pandemia deu uma folga, e logo voltaram as guerras, os massacres, feminicídios, os desastres naturais urbanos, os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos, ampliando as desigualdades sociais, preconceitos e ódios raciais. Nas cidades e ruas, automóveis engarrafados continuam a gastar energia fóssil, os transportes coletivos continuam insuficientes e protegidos por muros, condomínios residenciais buscam, iludidos, viver mundos alternativos e segregados.
Kleber Frizzera, Kleber Frizzera
Kleber Frizzera
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