madrugada, madrugada
Reproduzido por Portal Don Oleari com autorização do autor.
Em setembro de 1995, fui convidado a escrever outro conto de Vitória, na edição Mercados e Feiras.
Eu já havia participado de outros temas. Em setembro de 1995, fui convidado a escrever outro conto de Vitória, na edição Mercados e Feiras. Era o décimo primeiro da série e quando soube dos demais convidados a versar sobre o tema, pensei em correr do pau. O livro foi lançado e nunca mais havia lido, não sei porquê. Guardo essas riquezas na última prateleira da estante. Meus exemplares lá estavam pegando poeira. Agora, quase dez anos depois, me agarrou uma insólita vontade. Ler de novo todo mundo. Fui até a escrivaninha que frequento na madrugada, à cata de inspiração e coragem (morro de medo de vocês leitores). Pronto, achei. Escondido entre um Almanaque Capivarol e o recente lançamento de Ruy Castro. Capa verde-amazonas, com a foto do mercado de Jucutuquara. Passei os olhos na bela ilustração e nos promotores do evento. O prefeito era Paulo Hartung, que eu achava um talento, especialmente na área da cultura. A partir de então, leria cada um dos 15 textos, o meu inclusive. Essa peregrinação pelo exemplar impresso adentro foi feita com imenso cuidado e apreensão. Vai que eu me encontro. O que teria eu escrito? E o que sei eu também de mercado? Se bem que até hoje vou à Vila Rubim, percorro todas as alas para não fazer absolutamente nada. Tenho uma admiração especial pela arte e a concepção de vida de José Figueiredo Costa. E se não fosse o bastante, ao escrever, ele espalha talento e doçura. Quando abri o livro, foi o primeiro que apareceu,apresentado por uma ilustração de Gildo Loyola, identificada como “Iemanjá, o fogo, o fato, a senhora do Mar e sua força”. Em um canto da página, declara que nasceu em São José de Calçado. O texto da crônica foi nomeado assim: “Mercado em Baixa”. Qual teria sido a metáfora que iniciaria a sempre bem-humorada e doce linguagem de Zé Costa? Li, com muito prazer e saudade, que a súmula do seu recado denunciava conhecer Vitória de cabo a rabo, mas mercados e feiras não. Assim passa a citar sua memória, na maior parte, os encontros de amigos. Em seguida sigo com o livro ao acaso. Surge Cariê, que revela os encontros com sua turma para umas biritas e compartilham alegrias, por exemplo, o uso da expressão “Bota Muito”, onde reclamam da pouca quantidade servida nos copinhos de cachaça na madrugada boêmia. Deu saudade e a consciência de que faz falta ao jornalismo. Chegou a vez de Marien Calixte e seu “Bananas, Curiós e Peroás”. É dono de um texto criativo e claro que bem conheço – criamos juntos a coluna “Victor Hugo”, de A Gazeta. Aprendi muito com ele. No livro, inicia suas ironias: “Melhor se conhece uma casa pelo seu quintal, como dizia minha mãe”, filosofando sobre o conhecimento humano. Tomo mais café, não dava para estancar a leitura do passado. Jairo de Britto, outro campeão do reconhecimento, refere-se a uma tragédia, um incêndio que devorou quase todo o mercado da Vila Rubim. Descreve acaloradamente, impregnado de seu histórico compromisso político com a humanidade, com riquezas de detalhes que resultaram poéticas. Marzia Figueira: “Quando eu era criança tinha o olfato apurado e o nariz de perdigueiro. Hoje, não farejo nem incêndio a trinta metros. “Relacionava pessoas e coisas a algum cheiro. Aos sábados íamos ao açougue no Pontiac com cheiro de poeira...”. Na página 67, chega Chico Flores, que fala com convicção de uma certa Edeltrudes, companheira política e pessoa muito especial. Seria codinome? Não havia censura dos livretos ou fora deles, de modo que vinha tudo do fundo da alma. Deny Gomes, falou de suas raízes, depois de transmitir o jeitão de sua terra: “Deve ser por causa das raízes nordestinas que gosto tanto de feira e mercado. Elogia a democracia e as artes de feiras e mercados no seu “De feira, poeta e música”. Chego ao fim da minha resistência ao cansaço e ainda restam alguns textos ao acaso, não sorteados, inclusive o meu. Não perdem por esperar. Dorian Gray, meu cão vira-lata, rosna por mais “Escritos de Vitória”.