Afinal, Monteiro Lobato tinha razão: o petróleo é nosso
Coluna
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Rubens Pontes
A produção de café em larga escala, principalmente na região sul do Espírito Santo, foi a principal atividade econômica que marcou a ocupação do solo pelas levas dos imigrantes que se fixaram no território, principalmente cruzando as fronteiras das denominada Minas Gerais.
Mas as gentes de outras plagas que vieram povoar o território, sempre de acolhedores braços fraternos, diversificaram sua atividade com a cana de açucar e os engenhos, a criação de galinhas e ovos, municípios batendo recordes com a colheita de gengibre, plantando enfim tudo o que seu generoso solo retribuía com generosidade.
Os setores industrial e de prospecção viriam no tempo, a partir de uma parceria do governo com os setores de mineração e siderurgia.
Arcelor Mittal e suas duas plantas industriais, na Grande Vitória, em Porto Tubarão; a Vale com sete usinas de pelotização com capacidade para 28 milhões de pellets; uma oitava que elevou esse total em 2022 para 307,7 milhões de toneladas/ano de minério de ferro e se consolidando como o maior complexo de pelotização de minério de ferro do mundo.
Finalmente, a Samarco Mineração (*), joint venture da Vale com o grupo BHP, empresa exportadora sediada em Ubu, município de Anchieta, litoral Sul do ES, segunda maior fornecedora transoceânica de pelotas de ferro do mundo (*). Com sua nova usina , a quarta, sua produção se elevará para 30,5 milhões de toneladas.
(*) Mesmo tendo a Samarco ficado 5 anos paralisada, após o rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais.
“O capixaba tem mania de grandeza”, disse (imagine!) um paulista em visita à redação do portal. Mais perplexo ficaria ele se a ele fosse contado o que ocorreu no Espírito Santo desde que seu conterrâneo Monteiro Lobato bradou para o mundo: “o petróleo é nosso!”
Tida como agressão pelos poderes vigentes, a posição do grande escritor foi recebida com indiferença e até com hostilidade. Havia nos idos de 1930 interesse oficial em negar a existência de petróleo no Brasil.
O Espírito Santo se manteve equidistante desse entrevero, na expectativa do que o futuro lhe destinava: o nosso petróleo. Até que teve premiados seu silêncio e sua espera.
Foto do site Morro do Moreno. Governador Christiano Dias Lopes visita poço de petróleo de Nativo, em São Mateus | Acervo pessoal de Christiano Dias Lopes Filho.
Em 1967, na região de Nativo, em São Mateus, um poço perfurado fez jorrar espesso óleo negro, ainda que sem maior expectativa de comercialização, o que iria ocorrer em 1969, dando inicio à produção do “ouro negro” em território espírito-santense.
Atualmente, a extração de petróleo e gás natural em Aracruz, no litoral Norte do Es, Anchieta, Itapemirim, Marataízes e Presidente Kennedy, todos no litoral Sul do ES, é o principal setor industrial do Espírito Santo, correspondendo a 28 por cento do valor de transformação industrial do estado.
Vale lembrar que o Espírito Santo foi o primeiro estado brasileiro a produzir na camada pré-sal, em 2007.
Hoje, o estado ocupa a terceira posição no ranking da produção de petróleo entre todas as unidades da federação, logo depois de São Paulo e Rio de Janeiro.
Aplaudindo o fato e o feito, o Portal Don Oleari rende igual homenagem aos brasileiros do litoral Norte que pagaram tragicamente alto pelo descuido humano no manuseio da atual maior fonte de riquezas de que a humanidade tem conhecimento (*).
“Nordeste de mãos limpas”, de Washington Tavares: um poema que não pede explicação. Até fevereiro de 2020, diz o Ibama, mais de 5 mil toneladas de óleo foram retiradas, marcando um dos maiores desastres ambientais do brasil.
Rubens pontes, jornalista
Capim branco, MG
Washignton Tavares, poeta nordestino, lembrado por Helio Barbosa, narra como tema a luta do povo nordestino contra o criminoso derramamento de óleo no litoral daquela região.
NORDESTE DE MÃOS LIMPAS
Washington Tavares
Nordeste, cabra da peste
Que de covarde não se veste
Que as minhas mãos eu empreste
Pra mode limpar esse mar
Doutor, se sente pra não cair
E deixe que eu lhe diga
Que’sse povo dá um boi
Pra num entrar numa briga
Mas depois, que a luta n’alma tá entranhada
Pra não sair, doutor,
Esse povo dá uma boiada
Doutor, tá vendo esse óleo na praia?
A dor é muita, é de amargar
Mas creia sua excelência
Nós vamos limpar, com muita paciência,
Da areia aos mangues, gota a gota…
Esse mar!
Desse mar, doutor, “veve” o povo humilde daqui,
A Maria do Sururu, Dé Pescador,
João Boca de Siri, Fatinha do Aratu
É Marisco, caldinho, camarão, caldeirada
É mais que mar…É mais que mar…
Pr’esse povo: é estado d’alma
A mão no mangue, a mão na pesca
É tudo que nos resta…pra vida ganhar
Dia e noite no mar, na lida dura
No “estambo” dois “taco” de rapadura
Qu’é pra os meninos estudar
E agora, doutor,
O petróleo chegou resoluto
Pintou as praias de luto
O turista espantou
Recifes de corais, estuário, manguezal
A natureza morre no mal
Que o homem espalhou.
Com dor, o Nordestevê esse velório
Trazido pelo óleo, que no mar se derramou
Mas doutor, esse povo é tão forte
Com pirão e moqueca vence a morte
Contra o óleo já se ajuntou…
Doutor…É “véio, mulé, mininu”
Cachorro, bode, felino
Que se uniram em amor
Todo mundo em alerta
Esse óleo perdeu a guerra
Quando o nordeste desafiou
A gente vai devolver aos meninos
A alegria de domingo com sol e mar
O turista vai encher a vista
E dizer: que águas tão limpas!
Quero me banhar!
Nordeste, cabra da peste
Que de covarde não se veste
Que as minhas mãos eu empreste
Pra mode limpar esse mar!
Quando um dia doutor,
Nossas netinhas perguntarem:
Vovô, responda de coração,
Por que de todos, o mar do nordeste é o mais salgado?
Direi com os olhos lacrimados:
Nele está misturado
O suor dos teus irmãos!
Nordeste, cabra da peste
Que de covarde não se veste
Que as minhas mãos eu empreste
Pra mode limpar esse mar!
(*) O derramamento de óleo no litoral nordestino é tido como o maior desastre ambiental ocorrido na costa brasileira em todos os tempos
(*) “Em dois livros, ‘Ferro’ (1931) e ‘O Escândalo do Petróleo’ (1936), o escritor Monteiro Lobato documenta a duríssima batalha travada contra a ‘carneirada’ e contra os ‘moinhos de vento’, movido pelo senso de dar ao Brasil “uma indústria petrolífera independente”.
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Monteiro Lobato
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