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Kleber Frizzera: Paisagens e passagens | 13/8

Paisagens e passagens
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Paisagens e passagens

Aqui, diz ela
É aqui o lugar de todas as coisas

(Louise Gluck)

1.

Uma vez me permiti pensar a cidade de Vitória como um território singular de paisagens e passagens, contendo múltiplos tempos e superpostos lugares, um ponto único no universo de permanências e mudanças, de continuidades e deslocamentos.
As paisagens, naturais ou artificiais, possuem um ciclo de vida longo, ultrapassam as sobrevivências dos mortais, se mantendo iguais ou semelhantes, seus perfis destacados contra o fundo azul do céu ou lentamente se dissolvendo pela ação dos ventos, das marés e das chuvas, dos tempos.

Paisagens são os três montes personagens, irmãos, da Penha, Mochuara e Mestre Alvo, de suaves contornos, orientações para os navegantes e aos que acessam a baía de Vitória e à sua proteção e abrigo. Ancestrais canais, pontas e mangues, delimitaram a ilha, hoje
expandida e alisada as suas margens por aterros que os desenharam, à força, pela ambição humana.

Passagens se ergueram, ruas retas e sonhos positivistas, seguidas construções, igrejas, palácios, moradias, ricas e pobres, sustentam as lembranças de eventos, coroações e delicados gestos domésticos de afetos e paixões. Passagens se mantém suportes aos sonhos desfeitos, “somos feitos de sonhos”, escreveu o poeta, outras restam em fantasmas ou em ruínas, apelam à imaginação e `a sua redenção.
Ao mais ligeiro corte nas suas faces, sente o coração ‘a ação que violenta o objeto que condensa o trabalho e a vida, contêm o passado e linha ao futuro, e perco uma parte de meu ser.

São muitos, repetidos, estes rasgos, arrasando bairros e elegantes casinhas na Praia do Canto e na Prainha, desfigurando o forte, abandonando becos, adornos e quintais, apagando e deformando memórias comuns.

Mas será esta admiração das paisagens e gozo das passagens, uma questão pessoal, ou compartilhamos, mulheres e homens, estes sinais das finitudes, marcados em coisas, corpos e espíritos, compensações incompletas ao esvaziamento do mundo sagrado?
Mas como conceder sentidos aos eventos dispersos, suportar catástrofes e epidemias, “nós o organizamos de novo e caímos nós mesmos em pedaços”, fazer surgir uma ordem da confusão, do caos e do acaso?

Como extrair do vivido, de suas marcas vencidas, uma história, falar é recordar, erguer uma criação espectral, recuperar nas assombrações, seus restos e lados, o limitado tempo humano, identidades compartilhadas, quando “a memória coletiva aparece como um discurso da alteridade”.

2.

Nas praias, acompanho modelagens infantis de alegrias e espantos, ouço o frágil vento e sinto a fria água, brilhos deslocados, tensas criaturas esportivas e descoladas crianças riscando a areia com uma pequena vara.
Que mensagens encaminham estas cartas cifradas aos insensíveis caminhantes corredores, aos animados ciclistas e suas maneiras empoladas?

Conterão estes prazeres corporais, domingueiros, individuais gostos e sabores, os sintomas do lado, e cego, escapo a outro mundo possível dos prazeres e sabores premium?

3.

Derrisão
Minúsculas peças da cidade-mundo ousam vazar os limites locais, romper os estreitos canais da província.
O universo se desenrola, imagens estelares em telescópio profundo, James Webb.

Kleber Frizzera
Agosto 2022

Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes Universidade Federal de Minas Gerais (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da cidade da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.

A verdade sobre o loteamento do Morro do Moreno, Vila Velha/ES | 12/8

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Don Oleari - Editor Chefão

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Radialista, Jornalista, Publicitário.
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