Paulo Soares Nazareth
Contos |
Diálogo com Deus
(conto reflexivo)
Paulo S. Nazareth
Ontem estava convivendo com um dia maltratado pela dor da saudade, um sentimento doído e sentido na falta que faz o amor dos entes queridos que se foram, não conseguindo entender essa relação tão estreita e quase impossível de tangenciar, do amor com a dor.
Clamei aos céus para que Deus me ouvisse, que atendesse a minha súplica e me ajudasse a entender melhor a harmonia que pode existir entre essas palavras antagônicas, distanciadas no seu próprio sentido mas que se juntam por alguma razão. Muito amor sem nenhuma dor, muita dor sem nenhum amor, muito amor com muita dor.
Na madrugada de hoje, estava compenetrado escrevendo um texto, quando ouvi uma voz clara e suave chamando pelo meu nome. Parei de escrever, olhei à minha volta mas não vi ninguém. Levantei da cadeira onde estava sentado e fui ao meu quarto de dormir, podia ser que minha esposa houvesse me chamado; não foi, ela dormia em sono profundo e não havia outra pessoa na casa. Estranhei…
Voltei para o que estava escrevendo, viajando entre letras e palavras quando, novamente, ouvi a mesma voz, com clareza e suavidade, dizendo o meu nome. Parei de escrever outra vez, olhei o ambiente mas não vi ninguém.
Foi então que percebi que poderia ser Deus atendendo ao meu clamor e fiz a única pergunta que poderia fazer: Deus, o Senhor quer conversar comigo?
A reposta imediata foi:
“Sim, quero dissipar as dúvidas que te atormentam, que confundem o seu sentido de existir, que têm descolorido a sua vida e maltratado o seu prazer de viver”.
Prontamente me vi de joelhos no chão duro e frio, olhei para cima sem nada ver mas senti o toque de uma grande mão na minha cabeça, tão grande que encobriu os meus olhos mas permitindo que meus ouvidos ouvissem as Suas palavras.
“Quando criei o mundo, ainda no Jardim do Éden, a palavra dor não existia, o espaço era todo ocupado pelo amor. Só haviam plantas com flores, fruteiras, pássaros, outros seres dos mais variados tipos e tamanhos e a Minha obra prima, a que Eu pensava ser a minha melhor criação apesar do trabalho que deu a soma das costelas do Adão e da Eva.
Todos viviam na mais perfeita harmonia do amor ao próximo, do respeito aos direitos de cada um, a fraternidade entre todos, a verdade na própria existência, solidariedade, caridade e compaixão. A sabedoria da sobrevivência e a multiplicação de cada espécie Eu distribuí entre a maioria, reservando algo especial para o Adão e a Eva: a sabedoria intelectual, um patamar mais elevado, com a arte da palavra, o raciocínio, o dom sagrado do pensamento, a temperança e o discernimento.
Essa era a harmonia que existia no Jardim do Éden ou Paraíso, como também o chamam. Poucas palavras, muitas virtudes e os preceitos que protegiam a existência daquele lugar. Tudo funcionava bem, cada coisa no seu lugar, todos convivendo, respeitando e interagindo, mas Eu só não conseguia saber o que o Adão e a Eva estavam pensando. Isso Eu nem me atreveria a fazer, porque consagrei o pensamento como sagrado, individual e indevassável.
Naquele dia de inverno, o sol querendo surgir, Observei que a Eva estava andando mais devagar, como se estivesse com algum enjoo e que a sua barriga estava aumentada. Apurei mais a Minha visão e pude ver que no seu abdome havia um outro ser em formação. Foi um choque para Mim, considerei aquilo uma quebra da Minha confiança, um deslize da inocência ainda não consentido. Criei então, naquele momento, a palavra Traição para simbolizar o ato do Adão e da Eva e que chamei de Pecado, um dos piores.
E, para não esquecer, comecei a anotar o nome dos pecados que encontraria pela frente e aqueles que Eu não aceitasse seriam considerados Pecados Capitais, não sendo permitidos no Jardim do Éden. Resolvi então criar algum tipo de punição que os fizessem lembrar, para sempre, da Minha contrariedade. Eles foram os primeiros traidores que o mundo conheceu. Eu já sabia que o filho em gestação seria do sexo masculino, como Adão, e que seria chamado de Caim.
A punição que Eu estabeleci foi tirá-los do Jardim do Éden e, para isso, criei uma outra palavra que chamei de Livre Arbítrio, para que eles se tornassem responsáveis por suas escolhas. Eles então seguiram para um outro lugar, não tão bonito como o Jardim do Éden mas agradável.
Na beira de um córrego com águas cristalinas construíram a sua casinha, uma porta, uma janela e coberta com sapé. Eu ficava observando do alto, sem que Me vissem, proporcionava alguma ajuda sem que eles percebessem e assim foram construindo suas vidas.
Eva já estava no final da gestação, Caim nasceria fora do Jardim do Éden. Mantendo a punição, criei a Dor que Eva sentiria no nascimento do seu primeiro filho, uma dor diferente da sensação de um espinho no pé, uma dor que sairia de dentro do seu ser, uma lembrança da traição cometida.
No dia seguinte Eu estava preparando o sol para sua aurora quando ouvi barulhos vindos da casinha deles. Agucei o olhar e vi a Eva deitada, suando, se contorcendo de dor e Adão ao seu lado agitado, segurando sua mão, olhando para cima.
A outra mão na cabeça como se esperasse Me ver e deu-me a impressão que também se afligia por alguma dor, mas diferente da dor que a Eva sentia. Uma dor que expressava a angústia e, no seu olhar percebi a impotência diante daquilo que acontecia. Resolvi então dar uma pequena ajuda, um leve sopro e Caim nasceu, respirando e chorando.
O que Me surpreendeu foi ver que após sentir tanta dor, ao abraçar o filho que acabara de nascer, o rosto da Eva se iluminou, irradiando o mais puro amor que brotou da sua dor. Aquilo Me instigou ainda mais, para entender melhor o limite daqueles sentimentos que Eu havia criado e estabelecer corretamente as suas fronteiras.
Eu vi que Caim crescia saudável. Eva ficou esperando o segundo filho e, na dor, nasceu também Abel. Eu continuava observando do alto aqueles seres que criei. Um dia, vendo Caim e Abel juntos pude sentir que algo diferente estava surgindo. Caim não aceitava muito bem o Abel.
Tudo que Abel pegava, mesmo que fosse uma pequena pedra, Caim tomava e as coisas que tinha não compartilhava com Abel. Um sentimento que Eu não conhecia e Criei um nome para ele, Egoísmo porque vinha de dentro do Caim. Quando Eva fazia um carinho no Abel, Caim reclamava.
Se Adão colocasse Abel no colo, Caim brigava. Achei esse sentimento muito feio e procurei um nome também feio, que classificasse um sentimento tão ruim e decidi chamá-lo de Ciúme e inclui os dois na minha lista dos pecados.
A cada dia que Eu via passar, via também o ciúme aumentar e a convivência deles ia ficando mais insustentável. Foi quando Eu percebi que havia um outro sentimento, inusitado, inconsequente, atroz, que alimentava o ciúme e, por ser tudo isso, o chamei de Inveja.
Para Mim esse é o pior sentimento que pode existir e que levou Caim a matar o seu irmão Abel, fazendo Eva chorar com um outro tipo de dor, vinda do seu interior, misturada com amor e que a acompanharia pelo resto dos seus dias.
Caim foi o primeiro filho de uma geração que Eu criei e o primeiro assassino de uma geração que ele criou e que perdura. Essa complexidade de sentimentos e pensamentos até hoje, confesso, Eu ainda não consegui resolver.
A lista dos Pecados Capitais continuou aumentando, maculando a Minha tão sonhada criação. Ainda bem que Eu instituí o Livre Arbítrio, onde cada um pode ter seus pensamentos, escolhas, sonhos, realizações e responder por eles, tanto no amor como na dor.
Em função desses dois sentimentos que se misturam, criei algo como se fosse uma premiação e que chamei de Vida Eterna, onde continuariam vivendo as escolhas pretendidas, mas separando o amor da dor. Os que preferissem viver ao Meu lado viveriam no amor e os que quisessem continuar vivendo na dor, seguiriam um outro caminho.
Dentro do que Eu te disse e já coloquei na sua consciência, certamente você entendeu a distância que o amor tem da dor. Uma distância que pode ser vencida pela escolha que você faz, pelo seu próprio discernimento, pela fé que você professa e pela crença que você tem.
Eu te abençoo por ter clamado por Mim”.
Senti que aquela sensação de uma mão suave e grande sobre a minha cabeça havia desaparecido. Lentamente abri os meus olhos e nada vi mas senti um delicioso perfume no ar, diferente de todos que eu já senti, uma mistura de poder e pureza.
Ajoelhado eu estava, de joelhos eu fiquei e agradecido, orei…
Paulo S Nazareth
4/2021
Paulo Soares Nazareth
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