Terra, céu e inferno
COLUNA AQUI RUBENS PONTES |
MEUS POEMAS DE SÁBADO
Rubem Braga, Fernando Sabino, Alvino Gatti, Orlando Eller, nomes facilmente identificados como grandes cronistas capixabas e mineiros, são intelectuais do nosso meio com extrema sensibilidade e visão crítica que os tornaram visíveis e admirados em todo o País.
O assunto, motivo de troca de opiniões na redação do Don Oleari Portal de Notícias, provocou interferência do mesmo provocador que se fez presente em outras ocasiões, quando em tom de provocação, mas, reconheçamos, ainda com pertinência, perguntou aos companheiros:
– Alguém conhece vida e obra de João Antônio?
Silêncio como resposta.
É natural uma posterior pesquisa, já que nesta Coluna nada passa em branco.
“Nada passa em branco. Nem em preto, nem em preto e vermelho”, pediu-me para acrescentar o Editor Chefão, Don Oleari.
Contista e cronista, João Antônio, ele próprio, contribuiu para o ilhamento de sua vida e de sua obra quando registrou:
“Honestamente, sem pose, os prêmios não estão me dizendo nada. Um sentimento de falência, certo nojo pela condição dos homens e até mesmo ternura, às vezes, quase pena”.
O fato é que, embora tenha tido frágil estrutura como estudante, o trabalho do escritor e jornalista paulista é um dos mais ricos registros que se tem na cidade de São Paulo na segunda metade do Século XX.
Quem foi
Filho de um português com uma brasileira, João Antônio (Ferreira Filho) nasceu no Morro da Geada, na região de Jaguaré, uma espécie de favela na zona oeste de São Paulo, e teve uma infância pobre, mais tarde narrada em seu livro de contos “Abraçado ao meu rancor”:
– “No Morro depois da várzea de Presidente Altino, venta bravo nas noites e, nas madrugadas de muita friagem, no Morro costuma gear. As mantas feias e ralas de flanela cinza rampeira, compradas baratas na feira dos domingos em Jaguará, não impedem a umidade que vara as paredes dos barracos feitos de caixotes vazios de sabão e bacalhau”.
Família pobre de recursos, não pôde frequentar centros de estudos, começando a trabalhar, jovem ainda, como contínuo, depois açougueiro, depois bancário.
Almoçando em restaurantes populares, como registra o historiador Marcel Verrumo em seu livro “História Bizarra da Literatura Brasileira” (Editora Planeta), João Antônio ouvia histórias dos trabalhadores, dos viciados em jogos de azar, as expressões das prostitutas, matéria prima para os contos e crônicas que escreveria no futuro.
Jornalismo, o sonho
Chegou finalmente ao seu sonho maior, sempre afagado: já morando no Rio de Janeiro, o sucesso de leitura de seus livros abriu-lhe as portas para a realização de sua aspiração maior, o jornalismo.
Primeiro livro premiado
Foi seu primeiro livro, escrito aos 26 anos de idade, que lhe abriu as portas para praticar o jornalismo com que sonhava.
“Malagueta, Peru e Bacanaço” (*), conjunto de oito contos e uma novela. O texto principal retrata a vida de três amigos no mundo da malandragem, tendo como cenário os tradicionais bairros paulistas da zona de Água Branca, Barra Funda e Pinheiros.
Com uma linguagem que fugia dos padrões estilísticos da época, como anotou o crítico paulista Igor Gomes, o livro obteve sucesso de crítica e de vendas.
João Antônio foi pela obra agraciado com o “Prêmio Fábio Prado” e com dois disputadíssimos “Jabuti”, na categoria “Revelação” e “Melhor Livro de Contos”.
(*) Em 1977, o livro foi adaptado para o cinema pelo cineasta Maurice Copovilla sob o título “O Jogo da Vida”, com Lima Duarte no elenco).
Esse sucesso abriu-lhe as portas dos jornais com que sonhava.
Residindo no Rio de Janeiro, trabalhou inicialmente no Jornal do Brasil, participou da equipe fundadora da revista Realidade, depois na revista Manchete e no Pasquim, em oposição ao regime militar.
Escreveu 15 livros, mas se recusou a participar de cerimônias de lançamento e de se vincular a grupos e academias literárias. Aceitava apenas convites para proferir palestras em escolas e universidades.
Terra, céu e inferno
Casou-se com Marília Mendonça Andrade, com quem teve seu único filho, Daniel Pedro.
Agraciado com bolsas de estudo, viveu alguns anos na Alemanha, e na ocasião proferiu palestras na Holanda e na Polônia.
No Brasil, final dos anos 1960, assim sem justificativa, e de repente, resolveu mudar de vida.
Vivendo Terra, céu e inferno, deixou o emprego, destruiu seus cartões de crédito, vendeu seu automóvel, separou-se da mulher e passou a usar exclusivamente bermudas e a calçar sandálias.
Até na morte
João Antônio morreu aos 59 anos no apartamento 702 na Praça Serzedelo Correia, Rio, onde morava sozinho.
Seu corpo foi encontrado por amigos preocupados com sua ausência, estendido no sofá na sala, 15 dias depois da morte segundo os legistas, e já estava em estado de putrefação.
Solidariamente, este Colunista, o Don Oleari Portal de Notícias e seus colaboradores rendem homenagem a essa espécie de Fênix da Mitologia, renascido das cinza para iluminar o cinzento céu que cobria a sua região de nascimento, depois de uma existência de este Terra, céu e inferno.
Os poemas publicados podem não conter a profundidade dos seus livros de prosa, mas são eco de sua sensibilidade.
Rubens Pontes, jornalista
Capim Branco, MG
1955 – João Antônio publicou dois poemas que, embora reconhecesse como ruins, guardou durante pelo menos seis anos. O primeiro deles, “Utopia no Porto da Felicidade”, foi publicado no Jornal do Povo, de Itápolis, São Paulo. O segundo,” Pausa “.
UTOPIA NO PORTO DA FELICIDADE
“Iremos então, bem equipados e com vontade dupla.
Abrirei as lâminas do Tarô adivinhatório
e gritarei que nossa sorte é boa e o sibilo do vento não me abafará os brados
. E a vida rirá de ébria…
Riremos com ela
. E nascerá uma chusma de querubins que rir-se-ão todinhos.
Daí então, fingirei acreditar na Virgem.
Erguerei odes de júbilo preexistirá a ufania ao som
Nesse dia, medrará água de pedra
E os meus cantos resistirão ao Tempo.
Eu fingirei crer na Virgem
E estaremos no porto da felicidade
O mundo nos irá abençoar muito…”
PAUSA
“As paredes pálidas
Os sonhos da Vontade,
Os planos, as ânsias, as ilusões quedadas,
As estrelas do carvão da noite
Todas as histórias de braços caídos,
Tudo quanto exista estará no rés do chão, dormindo
E as ações terão sono
A vida está descansando muito.
Para amanhã acordar bem cedinho.”
Terra, céu e inferno
Bibliografia
1963: Malagueta, Perus e Bacanaço;
1975: Leão-de-chácara
1975: Malhação do Judas carioca;
1976: Casa de Loucos
1977: Lambões de Caçarola (Trabalhadores do Brasil!)
1977: Calvário e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto
1978: Ô Copacabana!
1982: Dedo-duro
1984: Meninão do caixote (coletânea)
1986: Abraçado ao meu rancor
1991: Zicartola e que tudo mais vá pro inferno!
1992: Guardador
1993: Um herói sem paradeiro
1996: Patuléia;
1996: Sete vezes rua (Editora Scipione)
1996: Dama do Encantado.
Prêmios
1959 — São Paulo SP — Prêmio Edgard Cavalheiro, instituído pelo jornal Última Hora e Editora Cultrix;
1962 — São Paulo SP — Prêmio Fábio Prado pelo livro Malagueta, Perus e Bacanaço;
1963 — São Paulo SP — Prêmio Jabuti de Revelação de Autor e de Melhor livro de contos para Malagueta, Perus e Bacanaço;
1965 — São Paulo SP — Prêmio Prefeitura de São Paulo;
1974 — Prêmio Nacional de Contos do Paraná pelo livro Leão-de-Chácara;
1975 — Prêmio Ficção concedido pela Associação dos Críticos de Arte de São Paulo para Leão-de-Chácara;
1983 — Prêmio Pen Club e para o livro Dedo-duro;
1983 — Troféu Candango, da Fundação Cultural do Distrito Federal, para Dedo-Duro;
1986 — Rio de Janeiro RJ — Troféu Golfinho de Ouro pelo livro Abraçado ao Meu Rancor;
1986 — São Paulo SP — Prêmio Pedro Nava pelo livro Abraçado ao Meu Rancor;
1986 — Porto Alegre RS — Troféu Oswald de Andrade pelo livro Abraçado ao Meu Rancor
1993 — Prêmio Jabuti pelo livro Guardador.
Terra, céu e inferno
Edição, Don Oleari – [email protected] –
https://www.facebook.com/oswaldo.oleariouoleare
Dólar, contratos futuros, Ibovespa | Luiz Felipe Bazzo | 27/10
Plano de de Promoção da Equidade Racial será apresentado em Audiência Pública | 27/10