Wayne Shorter
Título original: Frente a frente com Wayne Shorter, a última grande lenda do jazz
Wayne Shorter morreu no último dia 2 de março aos 89 anos, em Los Angeles.
NEC = Nota do Editor Chefão, Don Oleari – No texto, o professor, saxofonista, compositor e pensador musical Marcelo Coelho descreve um inesperado encontro com o lendário Wayne Shorter. Reproduzido com autorização do autor.
Aprimeira notícia da volta de Marcelo Coelho para Vitória/ES foi dada por nosotros aí, ó: https://donoleari.com.br/marcelo-coelho/
Foto de capa: o já lendário Wayne Shorter e o jovem Marcelo Coelho, estudante de música na University of Miami.
O saxofonista e compositor é considerado um pilar referencial no mundo do jazz e da música contemporânea. A sua música impactou diversos outros gêneros musicais como o rock, o fusion e a música brasileira. Vencedor de 12 prêmios Grammy, além de condecorações prestadas por instituições, presidentes e reis de diversos países, sua obra extrapolou a cultura norte-americana e tornou-se um patrimônio da humanidade.
Além de ser um músico inquestionável, Shorter é também reconhecido por sua erudição, sabedoria e grande espiritualidade. Ao ouvi-lo falar, é possível sentir que ele transita por dois planos existenciais ao mesmo tempo.
Suas observações sobre eventos aparentemente banais e corriqueiros soam como profundas reflexões. Ele é capaz de enxergar outras realidades e possibilidades em cada palavra, som, ação, intenção, evento, em cada ser. Shorter percebia o Todo em tudo.
Nos anos 90, eu cursava o programa de mestrado em Jazz Performance na Universidade de Miami, nos EUA, quando me interessei pelo budismo. Descobri um grupo de brasileiros praticantes que me convidaram para uma reunião. Neste evento, para a minha enorme surpresa, eu fui apresentado a uma brasileira recém-chegada ao sul da Flórida cujo nome era Carolina Shorter, esposa do Wayne Shorter.
Foi uma questão de dias para que eu o conhecesse pessoalmente, mas o primeiro encontro, de fato, aconteceu alguns meses depois quando fui convidado para almoçar na casa deles.
Nossa conversa foi leve, cheia de amenidades, mas também pautada por comentários sábios e alguns de difícil compreensão. Ele falou sobre seu esporte favorito, box, comentou sobre os livros que estava lendo, mostrou alguns móveis que comprou na Ásia, os Grammys que ganhou e, de maneira contemplativa e serena, brincou com uma imagem de Buda, colocando-a de cabeça para baixo. Essa cena ficou gravada em minha memória.
Anos depois, quando analisei sua música e alguns de seus solos, percebi que Shorter criou procedimentos musicais não convencionais, como a sonoridade modal no jazz, a assimetria da forma, os intervalos angulares na melodia, a não funcionalidade harmônica, as improvisações imprevisíveis, a intertextualidade sugerida nos títulos das composições, entre outros.
Ele sugeriu diferentes possibilidades de sonoridade através da reorganização ou desarrumação das convenções musicais estabelecidas. A reordenação desses elementos foi vista como novos recursos de criação, trazendo à tona potencialidades ainda não exploradas no conteúdo musical jazzístico e popular. Esses novos elementos tiveram um impacto significativo e mais tarde foram reinterpretados por músicos de outros gêneros.
Durante meu processo de estudo e maturação em relação à sua música, me veio à mente a imagem de um Buda sorridente sendo colocado de cabeça para baixo. Compreendi que minhas contínuas interpretações e reinterpretações daquele gesto, contextualizadas no âmbito musical, criativo, existencial e espiritual, eram o que ele tinha para me dizer.
Essa cena mudou a minha percepção da música e do todo, tornei-me com o tempo cada vez mais criativo à medida que aprendi a observar o ‘buda de cabeça para baixo’ em tudo na vida.
A oportunidade rara de estar em sua presença teve um propósito, e creio que ele estava consciente disso. Desde então, todos os anos faço um tributo a Wayne Shorter e me sinto agradecido pelo privilégio desse encontro.
Descanse em paz, Wayne Shorter!”
Marcelo Coelho, professor da Escola Americana de Vitória/ES.
É saxofonista, compositor, com pós-doutorado em composição pela USP (Universidade de São Paulo); doutorado em composição pela Unicamp (Universidade de Campinhas/SP; mestrado em Jazz Performance pela University of Miami e bacharelado em Música Popular pela Unicamp.
Publicou 2 livros e tem 10 discos gravados.
Um deles, gravado na Argentina – Paralelas – foi tocado pela primeira vez em emissoras de rádio da América Latina no programa “Clube da Boa Música”, produzido e apresentado por mim e por João Paulo Oleari na Universitária FM, 104.7.
PARALELAS – 2010, Argentina | Marcelo Coelho, Sax Tenor; Rodrigo Dominguez, Sax Tenor/Soprano; Jeronimo Carmona,Baixo; Carto Brandan,Bateria.
Marcelo Coelho participa regularmente com seus projetos musicais de festivais de jazz no Brasil e no exterior. Aí, os nossos Marcelo Coelho e Zé Moreira num brinde à nossa meia dúzia e meia de seguidores (Don Oleari).
Paulo César Dutra está de volta com a coluna A Esplanada | BR 342 Abandonada | 8/3