NEC = Nota do Editor Chefão, Don Oleari:
O psicanalista e poeta Ítalo Campos me enviou o texto neste domingo, 20, com o seguinte comentário:
“Brincadeira de domingo em homenagem à Lágrima de Guerra Junqueiro (coluna do Rubens Pontes) e à Flor do Lácio.
– Para mim o alfabeto é concreto. Real, pesado e simbólico.
As palavras batem em mim e me deslocam com diferentes intensidades, às vezes doem, outras aliviam.
São milhares de palavras da língua portuguesa, uma centena de palavras em outros idiomas e outras milhares de pré-palavras:
MÃE, por exemplo, palavra fundante que se encontra tão dentro que não me pesa mais do que um pensamento, uma lembrança adocicada e permanente.
INFÂNCIA mexe, agita como assim foi a minha me trazendo uma nostalgia e provocando perguntas como sempre as fiz. PAI é uma grande palavra uma só sílaba. É o que me estrutura, faz as bases, forma raiz. Às vezes sólida o suficiente para me colocar no rés do chão e não me aventurar a Ícaro.
AMIZADE tem o peso de um cobertor macio e confortável em noite de inverno, é uma rede colocada na varanda à disposição para um momento de alegria.
MÚSICA é uma palavra mágica que me desperta e me abraça e me puxa a caminhar por tantos mundos quantos não existem, nem tão alegre, nem tão triste. URUAÇU tem o peso de uma brisa forte e refrescante, me atinge por todos os lados, me traz o passado e boas lembranças. Um peso leve de uma libélula pousando numa flor.
FAMÍLIA é uma palavra enorme, um grande tubo de oxigênio que carrego sempre comigo, é a irmã mais velha da palavra AMIGO e andam juntas; pesam como pesa meu corpo e mente pois neles estão entranhados e deles fazem parte.
Assim também é a palavra AMOR, vale quanto pesa, mais vale quanto menos pesa. Pesa o peso de ar nobre, do etéreo, com força e poder o peso de mil beijos. Ouça o que Mateus, o santo em 22:37-39 me ensinou: Ame a Deus e ao próximo como a si mesmo. Esse desdobramento do amor a Deus a si e ao outro, nos diz que um pouco de narcisismo é necessário e estruturante.
LIVRO é palavra com paladar de pera e peso corresponde às plumas espanando em mim velharias, provocando em mim liberdades, recarregando em mim novos sentidos, abrindo meus olhos e, balançando meu coração, me leva para outros mundos.
SAUDADE é uma palavra maciça que às vezes me invade, mas não faz em mim sua morada. As vezes doce, as vezes salgada, a saudade é visita breve que me serve para compor algum verso, para tentar alguma poesia.
PSICANÁLISE é uma palavra encorpada que se incorporou a mim, adotou o meu manequim, uma roupa que visto e desvisto para uso restrito e sem vaidades. Ela me serve e eu sirvo a ela, estamos a serviço sem sermos servos carrego a força de sua ética.
VAIDADE é muito fatigante esta palavra, não devo adotá-la continuadamente, uso-a com muita parcimônia e receio, se partida ao meio ela revela a passagem do tempo e a necessidade de cuidado. Se partida em suas sílabas sua ilusão se esvanece.
COMUNISTA tem o peso de um crachá. Usei-o por um bom tempo, com orgulho e medo. Sinônimo de esperança, cultivo de utopias e filosofias, este crachá foi algo precioso na minha vida.
MORTE – esta palavra que há tanto me acompanha tem se mostrado cada vez mais viva. Tenho grande respeito por ela e não a perco de vista, sei que ela também a mim. Na verdade não sei o que seria da minha existência não fosse sua presença, tenho a certeza de que ela foi a razão para eu: falar, caminhar, procurar, superar, afirmar, duvidar, escrever. Tão potente e sempre presente, ela me deu seu cartão de apresentação exatamente no mesmo instante em que outro recebi:
VIDA. Esta é como o aerografeno, preciosa e frágil. Foi-me dada por outro muito bem (re) comendada, uma encomenda que, de tanto apreciada, foi-lhe conferido um valor a ser guardado com carinho, amor e cuidado. Eu o faço (Ítalo Campos).
Ítalo Campos é psicanalista, poeta, escritor.
palavras
Edição, Don Oleari – [email protected] –
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