Renato Fischer
Dizem por aí que Economia é um assunto tão sério que não pode ser deixado nas mãos (ou cabeças) dos economistas.
Nas bolsas de valores o que não falta são economistas para fazer previsões do mercado e induzir aplicadores a optar por esse ou aquele papel dessa ou aquela empresa.
Mas basta um comentário, uma fofoca ou um blefe plantado lá dentro, para que ações muito bem recomendadas pelos economistas (ou mercado, como eles se autodenominam) no dia anterior, caiam no dia seguinte.
Nos governos da ditadura, os seus economistas inventaram até um chamado “milagre econômico”.
Como em economia não há milagre, o deles foi erguido com tijolos de empréstimos externos rejuntados com cimento da fabricação de cédulas pela casa da moeda.
O “milagre” nos logrou uma espiral inflacionária que só foi resolvida bem mais tarde, por ironia, não por um economista, mas por um sociólogo.
E usando uma fórmula diferente da única receita que os economistas usam pra combater inflação, que é subindo juros. Aliás, esse negócio de combater inflação apenas tirando dinheiro de circulação me parece uma solução tão burra que se assemelha a coisa de economista.
O mesmo que dar veneno pra combater a infecção do paciente. Mas isso é papo pra outro textículo.
Na época da ditadura militar eu era criança e vivia na roça, junto com pássaros em abundância. Hoje os handups da vida os mataram. Eram “pragas”.
Qualquer aglomerado de farelo que sobrasse no chão era suficiente pra juntar muitos deles. Era uma festa. Todos bicando, de cabeças e olhos voltados apenas para o chão, na confiança de que nenhum gato apareceria pra abocanhar qualquer um.
Acho que era por orientação dos “economistas” deles.
Mas bastava que caísse sobre eles um pingo d ‘água ou um graveto para que a ameaça do gato repovoasse suas cabeças e todos saíssem em revoada total. Ficava ninguém.
Normalmente pousavam em galhos por perto e ficavam a se perguntar por que seus economistas haviam previsto a chegada do gato. Como não havia gato, todos voltavam aos farelos, animados.
É alguém dizer que a OPEP vai reduzir a produção diária de barris e o “mercado”, sem consultar a OPEP, valoriza as ações das petroleiras e desvaloriza as das empresas de transportes em geral.
No dia seguinte aos rombos, a OPEP desmente o boato e tudo volta ao normal. A passarinhada volta ao coxo. Alguns investidores a contar seus prejuízos. Outros, seus lucros.
Que dizer das previsões que fazem sobre a economia? Não fiz um ranking, mas minha sensação é de que acertam bem menos que os babalorixás.
A economia brasileira vai crescer 1,2% este ano. Foi em janeiro de 2022. A inflação prevista na mesma data foi de 7,11%. No trimestre seguinte reajustaram a previsão de crescimento para 1,23%.
Como a variação no segundo trimestre foi muito superior ao que previram, em agosto daquele ano, puxaram a previsão para 1,9%. No final do ano a economia cresceu 2,9% e a inflação foi de 5,4%.
Mesmo com a bordoada no lombo, eles não perdem o rebolado. Continuam faceiros. A imprensa, nesse caso, é a recriação da Velhinha de Taubaté.
Acredita em tudo que eles falam. No início de 2023 as manchetes eram: Mercado prevê inflação de 5,21% para este ano. Já o crescimento econômico será pífio: previsão de 0,4%.
Nos meses do segundo semestre, várias novas previsões. Novembro: Mercado reduz previsão da inflação de 4,55% para 4,53%. Veja que falam em detalhes decimais, como se tivessem uma flecha certeira. Igual nossos voos. O avião vai decolar às 10:39.
Pouco importa se vai sair às 10:40 ou às 11:10. Tá lá cravado: 10:39. Em dezembro: Mercado reduz previsão da inflação para 4,49%. No final, o IPCA fechou em 4,62%. E o crescimento do PIB: de 0,4%, fechou em 2,9%.
Semana passada os tarólogos do Banco Central mandaram essa: reajustamos nossa previsão para a inflação de 2024. Não será mais de 3,8, mas sim de 3,76%. Monumental mudança!!
E o crescimento do PIB não será mais de 1,75% como previmos há algumas semanas, mas de 1,77%.
Pra mim isso é igual bala perdida no Rio de Janeiro: entra por um ouvido e sai pelo outro.
Temos que tirar o chapéu pra eles e lhes conceder o Prêmio Nobel dos Pitacos (Errados).
Já que toquei na imprensa, não posso deixar de mencionar os marqueteiros. Esses são criativos. A começar pelo nome que já vem de uma macaquice de adaptação do inglês “market”.
Eles são pródigos na criação de oratórias que visam mais confundir ou iludir o outro lado do mercado, os consumidores.
O torresmo com cachaça vendido a 10 reais em Cariacica, na Praia do Canto, vira “cútis suína flambada, com lascas de fruta cítrica, com acompanhamento de drink de destilado de cana caiana”. E vendido a 80 reais.
Outro dia me ative a ler um anúncio para venda de unidades em um prédio destinado a serviços médicos. Dizia a peça publicitária em forma de notícia, que se tratava de um “empreendimento dotado de inteligência artificial, agrupando atores do ecossistema de saúde”.
Fiquei a ouvir uma sinfonia de pássaros em revoada por cima das árvores e animais na pradaria se engalfinhando pra ver quem comia quem. Todos gozando de perfeita saúde.
A retórica acaba contaminando até a patuleia. Minha empregada se dizia orgulhosa do filho que montou uma empresa de “delivery de entrega”.
O “agregar valor”? O mercado adora a expressão. Aumentar preços e causar inflação virou agregar valor. Maior “valor agregado” quer dizer que algo tem preço alto permitindo mais lucros.
Não é mais inovar, manipular ou acrescentar utilidade ao produto, para, ai sim, dar mais valor a ele.
Já o “inovar” também virou jargão da hora. Não importa se o fato seja mais velho do que cagar de cócoras. Criaram até o “Hub de inovação”. Hub, traduzido do inglês, pode ser uma porrada de coisas. Ou coisa nenhuma, como é o caso do “hub de inovação”.
Aliás, os marketeiros do “mercado” adoram enfiar expressões ou palavras do inglês pra parecerem “cults” e deixar o leitor com a sensação de idiota.
Pessoas que fazem parte de um negócio, viraram “players”. Dia desses encontrei pessoas “co-working”. O apartamento “waterfront” eu gostei demais. Já pro “roadshow”, não encontrei tradução. Imagino uma paisagem pela janela do carro. Sou muito “creative”.
Mas ninguém é mais queridinho dos marketeiros do que o “sustentável”. Este se sustenta em qualquer lugar. Nome inicialmente utilizado pra expressar a geração de algum produto, sem destruir o meio ambiente que permite sua produção.
Ligado à economia ecológica, pegou bem e os marketeiros passaram a utilizá-lo até num novo automóvel, que virou “sustentável”. Só Milan Kundera pode explicar essa insustentável leveza.
Há algum tempo contratei uma empresa pra me prestar uma consultoria administrativa. Começaram a reunião inicial querendo saber quais eram as minhas “dores”.
Fiquei meio confuso e depois de me citarem várias “dores” que poderiam estar me acometendo, como deficiência de caixa, fluxo baixo, custo fixo alto, etc., perguntei a eles se eu conversava com consultores administrativos ou com anestesistas.
Em seis meses de consultoria, entendi o porquê da expressão. Me deixaram uma puta dor de cabeça
Já o “impactar” surgiu mais recentemente, mas contaminou mais do que o Sars-Cov. Chega até impactar meu bem estar.
Acho que já impactei bastante a paciência dos possíveis pobres leitores.
Renato Fischer
Edição, Don Oleari – [email protected] | https://twitter.com/donoleari
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