Abapuru
Coluna
AQUI RUBENS PONTES:
Meus poemas de sábado
O Editor Chefão do Don Oleari Portal de Notícias entrou na redação portando um sorriso malandramente maroto, nos colocando todos em precavida posição de alerta.
Não se dirigiu particularmente a nenhum de nós, mas seu desafio foi provocativo e com ele entendemos pretender o Portal abordar uma relação suposta entre o canibalismo ritual dos tupinambás do Espírito Santo à época da ocupação do território, com o canibalismo antropofágico cultural proposto por intelectuais brasileiros na Semana de Arte Moderna, em 1920.
A expressão justificada pelo escritor Mário de Andrade no seu manifesto dado a público em 1928 era uma referência aos rituais de canibalismo onde se acreditava que após engolir a carne de uma pessoa seriam concedidos ao canibal todo o poder, conhecimentos e habilidades da pessoa devorada.
Mário de Andrade e seus companheiros pretendiam praticar o canibalismo da cultura estrangeira, que deveria ser devorada e assimilada, para ressurgir com uma identidade brasileira multicultural e original, criativa e miscigenada.
A pergunta se impõe: havia de fato canibalismo entre os TUPINAMBÁS no Espírito Santo? Mas fato é fato e tem até a assinatura do historiador PEDRO FREITAS, de “ARTES/CULTURA”.
Surpresa?
Em uma entrevista realizada pelo então PRESIDENTE JAIR BOLSONARO ao NEW YORK TIMES em 2016, disse ele ter sido convidado por uma tribo indígena para comer carne humana….Não concluiu o relato…
Sim ou não, nos idos do SÉCULO XVI, a antropofagia era uma realidade, semelhante ao canibalismo, ato de comer carne humana por força de um ritual. Difere um do outro pelo fato do primeiro ser ritualista e o segundo uma prática de comportamento predatório.
O mercenário alemão HANS STADEN, capturado pelos tupinambás do ES e depois escapado, narra que os indígenas capturavam a vítima em campo de batalha e sua carne pertencia ao primeiro que a houvesse tocado.
O refém poderia circular pela aldeia por tempos antes de sua execução, marcada pelas fases da LUA que mostravam os melhores dias para se matar um adversário, como também o melhor momento para caça e pesca e desenvolvimento das plantações.
Depois de morto, seu sangue deveria ser bebido ainda quente e seu cadáver assado e escaldado para ser comido, uma ingestão capaz de fazer adquirir mais força para novas batalhas.
Em 2009, a FUNAI descartou a prática do canibalismo entre as tribos indígenas brasileiras.
Sem pretender polemizar, comenta-se que ainda no nosso tempo, a tribo dos ianomâmis, manchete na imprensa brasileira e de praticamente todo MUNDO,, conserva o hábito de comer as cinzas de um companheiro morto como sinal de respeito e afeto.
Esse costume permanece porque os indígenas notaram também como as plantas ficavam mais saudáveis com as cinzas de um morto nelas depositadas.
Imaginam, por dedução, que ingerir as cinzas de seus companheiros permitiria que suas melhores características fossem perpetuadas.
Proposta da antropofagia cultural
A expressão antropofagia cultural de Oswald de Andrade promovia o canibalismo da cultura estrangeira, para que a arte brasileira passasse a contar com uma identidade cultural externa, com uma identidade brasileira multicultural.
Nem se precisa falar em “guardadas as proporções”…
Mas a semana de arte moderna deflagrada com espanto em 1928 com a publicação do “manifesto antropofágico” foi o que se denomina um divisor de águas entre o passado e o futuro na criação na arte brasileira.
Abapuru – a sorte foi lançada
Foi assim que não mais que de repente, em 1928, a artista plástica Tarsila do Amaral pintou um quadro para presentear seu marido, não outro que Oswald de Andrade.
Na ocasião, o poeta Raul Bopp, anestesiado com a tela, sugeriu ao presenteado um movimento cultural em torno da fascinante criação.
Foi quando surgiu o nome que ficou na HISTÓRIA da arte mundial: ABAPORU – que significa “homem que come gente”, um dos marcos da antropofagia na arte.
Senhor Editor Chefão: espero ter atendido, ainda que parcialmente, à sua imperiosa sugestão. E para finalizar, como exige o espírito da COLUNA,, publicamos poemas de MÁRCIA KAMBEBA, indígena do povo OMÁGUA – KAMBEBA, do ALTO SOLIMÕES.
Rubens pontes, jornalista
Capim Branco, MG.
Márcia Wayna Kambeba é indígena, nasceu na aldeia Belém do Solimões, do povo Tikuna. Escritora, poeta, compositora, fotógrafa e ativista.
ÍNDIO EU NÃO SOU
Não me chame de “índio” porque
Esse nome nunca me pertenceu
Nem como apelido quero levar
Um erro que Colombo cometeu.
Por um erro de rota
Colombo em meu solo desembarcou
E no desejo de às Índias chegar
Com o nome de “índio” me apelidou.
Esse nome me traz muita dor
Uma bala em meu peito transpassou
Meu grito na mata ecoou
Meu sangue na terra jorrou.
Chegou tarde, eu já estava aqui
Caravela aportou bem ali
Eu vi “homem branco” subir
Na minha Uka me escondi.
Ele veio sem permissão
Com a cruz e a espada na mão
Nos seus olhos, uma missão
Dizimar para a civilização.
“Índio” eu não sou.
Sou Kambeba, sou Tembé
Sou kokama, sou Sataré
Sou Guarani, sou Arawaté
Sou tikuna, sou Suruí
Sou Tupinambá, sou Pataxó
Sou Terena, sou Tukano
Resisto com raça e fé
TERRITÓRIO ANCESTRAL
Maá munhã ira apigá upé rikué
Waá perewa, waá yuká
Waá munhã maá putari.
O que fazer com o homem da vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?
Do encontro entre o “índio” e o “branco”
Uma coisa que não se pode esquecer
Das lutas e grandes batalhas
Para o direito a terra defender.
A arma de fogo superou minha flecha
Minha nudez se tornou escândalo
Minha língua foi mantida no anonimato
Mudaram minha vida, destruíram meu chão.
Antes todos viviam unidos
Hoje, se vive separado.
Antes se fazia o Ajuri
Hoje, é cada um para o seu lado.
Antes a terra era nossa casa
Hoje, se vive oprimido.
Antes era só chegar e morar
Hoje, o território está dividido.
Antes para celebrar uma graça
Fazia-se um grande ritual.
Hoje, expulso da minha aldeia
Não consigo entender tanto mal.
Como estratégia de sobrevivência
Em silencio decidimos ficar.
Hoje nos vem a força
De nosso direito reclamar.
Assegurando aos tanu tyura
A herança do conhecimento milenar.
Mesmo vivendo na cidade
Nos unimos em um único ideal
Na busca pelo direito
De ter nosso território ancestral.
O que fazer com homem na vida
Que fere, que mata
Que faz o que quer?
Abapuru
Abapuru
Abapuru
Abapuru
Abapuru
Abapuru
Abapuru