Porto do Sol
Pensando, pensando, pensando
ARTIGO |
Kleber Frizzera
Um farol em Jardim de Camburi
Valerá uma lágrima, valerá uma hora,
Pensar-se nas coisas já exauridas?
No joio inútil e na fugitiva flor,
No sonho passado e na ação extinta? (Swinburne)
Em 1984, quando Jardim Camburi ainda ficava longe, no final da praia, junto ao acesso ao porto da Vale, e abandonava o seu jeito estranho de balneário, um farol, um porto e um hotel, foram erguidos, fruto de uma ambição de cidade que buscava ultrapassar ao seu destino provinciano.
O bairro, que acomodava modestas residências, ruas e calçadas estreitas e começava a erguer habitações compactas, foi surpreendido por uma edificação destinada a receber personalidades e eventos nacionais, em um elevado lobby, um recinto que encantava em volume e luz, superando em tamanho e experiências sensoriais aos minguados gostos locais.
Porto do Sol, o nome já anunciava o seu propósito, com a sua fachada de janelas orientadas para o mar, para o nascente e o para o infinito, e de costas para o melancólico bairro, propunha uma nova orientação para a cidade.
No seu topo, como um farol, quatro altas janelas, com luzes acesas brilhantes emitidas por seus visitantes, hóspedes ilustres, de longe informavam acontecimentos, negócios e prazeres em curso, a serem admirados e desejados pelos passantes.
Neste momento mágico, transfigurava-se o precário cotidiano urbano e cada um se imaginava em outro mundo, vivendo em outra cidade, em outra metrópole.
A decadência do hotel acompanhou a decadência dos sonhos urbanos, da cidade e do estado, com seus desejos tornados ralos, acomodados a uma vida banal, vidas semipúblicas reduzidas a uma varanda gourmet, a aventuras submetidas aos limites do calçadão e do estreito estirâncio da praia.
Com a sua demolição, não há nada a comemorar, exceto observar melancólico um discreto charme da burguesia, deixado em ruinas e pó’, que em algum dia vaidoso, fez valer estranhas energias àqueles que observavam as suas inúmeras e enquadradas visadas, ou que penetravam, maravilhados, em silêncio, os segredos de sua majestosa catedral.
A arquitetura, como a vida, é finita. Expirado o seu tempo e seus incomensuráveis desejos, resta um vazio, uma falta, uma sorte de projetos humanos incompletos, que no seu luto aguardam novas e futuras invenções.
Quem sabe?
Kleber Frizzera
Kleber Frizzera
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes Universidade Federal do ES (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) – https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.
Agosto 2024
Porto do Sol
Edição, Don Oleari – [email protected] | https://twitter.com/donoleari