Getúlio Vargas
Há 70 anos, no dia 24 de agosto de 1954, o Brasil amanheceu com uma notícia bombástica, que marcaria um dos momentos mais dramáticos da história republicana do país, alterando radicalmente o rumo dos acontecimentos políticos naquela época.
Don Oleari Memória
ARTIGO |
Alexandre Caetano
Alexandre Caetano, jornalista e professor de História
O então jovem locutor da Rádio Globo, Léo Batista, foi o primeiro a dar a notícia, confirmada depois nos microfones da Rádio Nacional pelo lendário apresentador do Repórter Esso, Heron Domingues: o presidente Getúlio Vargas está morto!
Nas primeiras horas daquela manhã, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, então capital do país, o então presidente Getúlio Vargas reagiu com um tiro no próprio peito à exigência do Alto Comando das Forças Armadas para que ele se licenciasse do cargo, como condição para supostamente “solucionar” a grave crise política aberta cerca de 20 dias antes.
No dia 5 de agosto de 1954, ocorreu um atentado a tiros contra o seu mais estridente opositor, o jornalista udenista Carlos Lacerda, na rua Toneleros, em Copacabana, que matou o major da Aeronáutica, Rubens Vaz, que o acompanhava.
A exigência dos militares seria a concretização do golpe desejado e tramado por setores que conspiravam contra a democracia desde o fim do Estado Novo, insuflando o velho fantasma do comunismo contra qualquer iniciativa de viés nacionalista, num momento histórico marcado, tanto no Brasil como em todo mundo, pela polarização política temperada pela Guerra Fria.
A investigação do atentado, conduzida pelos militares sobre o desastrado atentado contra Lacerda, um jovem militante comunista na década de 1930 que passou à estridência de direita na década seguinte, sempre conspirando contra a democracia e fazendo uma ruidosa oposição de viés golpista contra a maioria dos presidentes do período da chamada República Populista (1945-1964), logo chegou à membros da guarda pessoal de Vargas.
Vargas, que havia liderado um duro regime ditatorial entre 1937 e o 1945, responsável pela prisão, exílio e morte de vários opositores do regime, chegando durante um período a flertar com regimes fascistas de Benito Mussolini na Itália, e Adolf Hitler, na Alemanha, já não contava mais com o apoio e confiança dos militares e muito menos da maior parte das elites econômicas do país.
Essas elites eram representadas na imprensa da época pelos jornais e veículos de comunicação dos então poderosos Diários Associados (DA), de Assis Chateaubriand, o Correio da Manhã (RJ), O Globo (RJ), Jornal do Brasil (RJ), O Estado de São Paulo (SP) e Folha de São Paulo (SP), entre outros.
Desde seu retorno ao Palácio do Catete, dessa vez pela força da urnas, eleito em 1950, Vargas enfrentava uma feroz oposição dos setores conservadores e a desconfiança dos políticos de centro.
Não menos cerrada era a oposição movida à esquerda pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), seguindo a política definida no IV Congresso da sigla, então colocada na clandestinidade.
Se as fortes tensões políticas e sociais e o acirramento da Guerra Fria entre EUA e URSS, especialmente a partir de 1953, já haviam feito com que o nacionalismo ambíguo e contraditório de Getúlio Vargas fossem demonizado com o sinônimo de “comunismo” pelos setores mais conservadores e reacionários, o desastrado atentado tramado pelo chefe de sua guarda pessoal, abriu de vez a porteira para que os golpistas clamassem aberta e ruidosamente pela sua derrubada.
O que os golpistas não esperavam é que Getúlio Vargas respondesse à ofensiva conservadora com o seu próprio sangue. O suicídio do presidente, que durante os anos do Estado Novo, havia construído a imagem de Pai dos Pobres, provocou um verdadeiro terremoto político no país.
À medida que a notícia se espalhava, escolas e universidades dispensavam seu alunos das aulas, o comércio fechava as portas e as fábricas simplesmente paravam suas máquina.
Nos portos, também parou o movimento de carregamento dos navios. Nas ruas, cenas de desespero e choro de populares, muitos completamente desorientados.
A reação da grande massa da população pobre que idolatrava Getúlio foi de choque e perplexidade, que logo se transformou em indignação e fúria quando, poucas horas depois da notícia do suicídio, as rádios começaram a divulgar o texto da Carta Testamento que teria sido encontrada junto ao seu corpo.
A forte e dramática proclamação de Getúlio no final da carta, além do impacto e comoção popular que causou em 1954, inscreveu o seu conteúdo na história das lutas politicas do país. ” Eu vos dei a minha vida.
Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.
A ira das massas populares se voltou então contra os políticos e jornais que faziam oposição à Getúlio e tramavam o golpe para derrubá-lo.
As sedes dos principais jornais do país foram invadidas, apedrejadas e depredadas, exemplares e veículos usados na distribuição de suas edições foram incendiados.
Nem mesmo o Imprensa Popular, jornal semanal publicado pelo PCB, escapou da fúria dos populares. Carlos Lacerda teve que se refugiar na embaixada dos Estados Unidos e foi retirado de helicóptero da então Capital Federal.
O cortejo fúnebre que levou o caixão de Getúlio até o aeroporto do Rio, de onde ele foi transportado de avião para a cidade gaúcha de São Borja, onde o presidente havia nascido e na qual foi enterrado, foi uma das mais impressionantes manifestações populares já ocorridas na história do Brasil, se não a maior.
Uma massa compacta de mais de 1 milhão de pessoas.
Diante da reação violenta da população, não se falou mais em golpe e o vice de Getúlio, Café Filho, tomou posse como Presidente da República.
Pelo menos não até o ano seguinte, quando o pessedista mineiro Juscelino Kubistchek de Oliveira (JK) foi eleito presidente da República, com apoio da forças ligadas à Getúlio.
Carlos Lacerda, que recebeu do jornal Última Hora o epíteto de “O corvo”, mais uma vez voltaria à ação, junto com políticos udenistas e militares golpistas, para novamente tramar um golpe de Estado com objetivo de impedir a posse de JK.
Porém, a trama foi novamente abortado, dessa vez pela ação enérgica e legalista do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott.
Mas essa é uma outra história.
Alexandre Caetano, jornalista e professor de História
Getúlio Vargas
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