Contrato Invisível
Clara dizia não ser mulher par viver divorciada. Ela e Augusto mantinham um contrato invisível sustentado pe fortuna dos dois
QUEM CONTA UM CONTO, AUMENTA UM PONTO
JESUS MARIA
Este enredo abre espaço para críticas à hipocrisia social, aos papéis de gênero tradicionais e à forma como o dinheiro e o status podem distorcer os laços humanos e “preservar” casamentos
O Contrato Invisível
Clara observava seu reflexo no espelho enquanto ajustava o colar de pérolas. A luz do lustre refletia o brilho da joia, mas nada podia disfarçar a dureza de seu olhar.
Ela conhecia bem a vida que havia construído: impecável na superfície, mas oca em suas fundições.
Não era mulher para viver divorciada, repetia. Dizia isso a si mesma todos os dias, como quem repete uma prece. Mas a verdade é que o casamento com Augusto não era mais do que uma farsa.
Ou uma sociedade bem-sucedida — um contrato invisível, sustentado por propriedades, contas bancárias e um status que nenhum dos dois estava disposto a perder.
Eles não dividiam mais a mesma cama e a mesma casa há anos. Durante a semana, Clara ocupava um apartamento na cidade, rodeada por uma faxineira… e silêncio.
Augusto preferia a tranquilidade da casa menor não muito distante da cidade, um refúgio onde poderia se esconder do mundo — e dela.
Mas nos fins de semana, por obrigação social, reuniam-se na residência de Augusto. Era uma encenação quase perfeita: sorrisos frios, conversas superficiais e o distanciamento cuidadoso de dois estranhos que sabiam exatamente onde pisar.
A ausência de intimidade nunca foi discutida, mas Clara, com sua frieza calculada, tomou uma decisão prática.
Ela lhe deu um vale night permanente, permitindo que ele buscasse fora do casamento o que ela não estava disposta a oferecer.
“Desde que você mantenha a discrição e cumpra suas obrigações, não me importo”, dissera, num tom que misturava superioridade e resignação.
Augusto aceitou. Por que não? A liberdade tinha seu preço, mas ele sabia exatamente como pagá-lo.
Por um tempo, o arranjo funcionou. Augusto frequentava bares discretos e escolhia suas companhias com cuidado. Clara continuava sua vida de eventos beneficentes e jantares requintados, movendo-se como uma rainha que não precisava justificar suas decisões.
Mas o equilíbrio frágil começou a ruir quando uma dessas mulheres contratadas deixou de ser apenas um passatempo.
O nome dela era Bianca. Jovem, espirituosa e surpreendentemente inteligente, ela não demorou a ocupar espaços no coração que Augusto acreditava estar vazio.
Pela primeira vez em anos, ele se viu desejando algo além da rotina mecânica de seu casamento. Começou a sonhar com uma vida longe de Clara, onde pudesse ser livre e feliz sem as correntes douradas que o prendiam.
Quando Augusto finalmente decidiu contar a Clara sobre Bianca, a cena foi devastadora. Ele escolheu o fim de semana, como se o cenário da casa que dividiam por convenção pudesse amenizar o golpe.
Clara ouviu em silêncio, a expressão impassível enquanto ele falava de amor, liberdade e da decisão de deixá-la. Quando ele terminou, ela pousou a taça de vinho sobre a mesa e sorriu.
Um sorriso gelado, quase cruel.
“Você realmente acha que pode me deixar assim, Augusto?”, perguntou. Sua voz era baixa, mas carregada de uma ameaça implícita.
“Nós temos bens demais, laços demais. Um processo judicial destruiria você… e também a mim. E você sabe que não sou mulher de perder.”
Augusto tentou argumentar, mas Clara continuou, a voz agora mais firme.
“Se você quer Bianca, fique com ela. Mas não pense que vou abrir mão de tudo o que construímos. Você é livre para ter suas distrações, mas a sua vida é aqui. Comigo. Para sempre.”
Ele sentiu o peso daquelas palavras como uma porta se fechando para sempre.
A liberdade que ele sonhara estava ali, ao alcance, mas o preço para alcançá-la seria a destruição completa de tudo o que conhecia.
Ele sabia que Clara era implacável; a batalha judicial que se seguiria os arruinaria.
E Bianca? Bianca nunca entenderia o que estava em jogo.
No domingo à noite, Clara e Augusto foram vistos em um jantar com amigos. Ele abriu a porta do carro para ela, como fazia em toda ocasião social.
Ela sorria, altiva como sempre, enquanto ele, com o olhar apagado, se acomodava ao seu lado.
Os dois seguiram juntos, cada um prisioneiro do outro, carregando o peso de um casamento que nunca seria desfeito.
Os bens permaneciam intactos, mas as almas estavam despedaçadas.
Contrato Invisível
Edição, Don Oleari – [email protected] | https://twitter.com/donoleari
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