Os bares e os poetas
Bares, poetas e garçons, a inspiração para versos e prosas.
A cultura da frequência dos brasileiros aos bares tem uma ligação muito estreita com a vida de alguns poetas, que ali, quase sempre, buscavam e encontravam inspiração para seus versos e prosas.
Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes e Chico Buarque são alguns deles. Se eu fosse poeta e dependesse dos bares para buscar e encontrar neles a inspiração necessária para compor, confesso que não sairia nada de mim, porque nunca tive maior intimidade com os bares.
A não ser quando os frequentava para o meu café da manhã, antes de entrar no trabalho, ou para o lanche da tarde no meio do expediente, únicas oportunidades em que os frequentava.
Tive colegas de rádio e de banco verdadeiramente amigos íntimos dos bares. Alceu, colega de banco, foi um deles; às vezes saia do bar, onde passava a noite tocando violão e cantando, e ia direto para o trabalho, constantemente correndo risco de perder o emprego.
Foi uma das pessoas mais felizes que conheci, nunca brigava com ninguém e ninguém conseguia brigar com ele. Outro amigo, Sebastião Rabelo, colega de rádio, poeta e compositor, “assinava” o ponto antes e depois de cada apresentação, poetando e declamando o que compunha.
Às vezes alguns desses poetas sequer tomavam uma birita ou um chope; iam aos bares apenas para ver as morenas e seus requebrados, buscando encontrar nelas a inspiração necessária para compor seus versos e prosas.
O grande poeta Carlos Drummond de Andrade talvez tenha sido a voz maior de homenagem e defesa dos bares, porque lá estavam seu ânimo e sua inspiração para colocar no papel a maior parte de sua grandiosa obra literária.
Vejamos esta pérola:
“Eu também já fui brasileiro/ Moreno como vocês/Já ponteei viola, guiei Ford/ e aprendi nas mesas dos bares que o nacionalismo é uma virtude/ Mas há uma certa hora/ Onde todos os bares se fecham/ E todas as virtudes se negam” (***).
É atribuída ainda a Drummond a seguinte sentença:
“O bar é o lugar mais aberto, mais democrático, onde a gente entra nas nossas contradições, é um momento em que as pessoas, na bebida, se igualam. Pode ser juiz, empresário, poeta, pedreiro ou operário…”
Logo, não importa o seu status; importa ser brasileiro de quatro costados!
Alencar Garcia de Freitas é jornalista
(***) Deixo aí, de brinde, o poema completo de Carlos Drummond de Andrade (AGF).
Também já fui brasileiro
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei Ford
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Os bares e os poetas
Edição, Don Oleari – [email protected] –
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