Um refúgio urbano
Um refúgio urbano, um verdadeiro festival de contradições
Pensando, pensando, pensando
KLEBER FRIZZERA
Um recente lançamento imobiliário em Vitória, verdadeiro festival de contradições, apresenta como youniverse um projeto que se propõe a ser um refúgio urbano, um universo fechado localizado na Enseada do Suá.
Segundo divulgado em entrevistas, trata-se de um empreendimento que busca “conectar a natureza à vida urbana”, com um térreo ativo e uma fachada que promete “ativar a vida da região, criando um ambiente vibrante conectado às necessidades cosmopolitas e elevando a qualidade de vida” a alturas de 100 metros.
Com “diferentes estilos de moradia, em opções compactas, confortáveis, inteligentes e elegantes”, os futuros moradores poderão adquirir apartamentos a partir de R$ 20.000,00 por metro quadrado.
Para esses felizes habitantes, haverá a possibilidade de alcançar os céus no rooftop. Já os mais privilegiados, em seus youhomes a partir do 21º andar, poderão desfrutar de “vistas únicas, conectando a natureza à vida urbana”.
Segundo a matéria jornalística, o “novo refúgio urbano do lado cosmopolita da Enseada do Suá” será cercado pela natureza, com uma vista deslumbrante do mar e espaços verdes cuidadosamente planejados, oferecendo uma experiência única de conexão com o verde.
Isso, claro, sob a premissa de que a Enseada, e mesmo Vitória, sejam de fato cosmopolitas.
Seria cômico, se não fosse trágico, observar mais de R$ 400 milhões de reais investidos nessa confusão conceitual, que parece existir apenas para alavancar lucros imobiliários.
Tais lucros se baseiam na apropriação privada de valores, ambientes e serviços acumulados no território urbano por meio dos investimentos do setor público e do trabalho criativo de gerações que construíram um patrimônio coletivo – físico, imaterial, artístico e cultural.
O termo “refúgio”, por definição, significa “lugar para onde se foge para escapar de um perigo; asilo, retiro”.
Imagino, então, que o refúgio urbano proposto seria um espaço onde se busca proteção para escapar do que se considera um perigo – no caso, a cidade e suas diferenças, diversidades e desigualdades.
Esse refúgio serviria para evitar interações com aqueles que não são iguais a nós.
Essa lógica contradiz diretamente o conceito de cosmopolitismo, que é o “ideal de quem considera o mundo inteiro como sua pátria”.
O cosmopolitismo busca conviver com as diferenças, respeitar as multiplicidades e identidades e, apenas diante delas – nos rostos que encontramos nas ruas – constituir o sujeito como cidadão.
Retirar-se da cidade é, portanto, fugir de suas desigualdades sociais, negar sua complexidade e erguer uma muralha em torno de um castelo de ilusões e prazeres exclusivos.
Filmes como Metrópolis ou Elysium já alertaram sobre o que acontece quando uma elite rica se isola das cidades e de seus moradores, refugiando-se em um jardim de delícias – um pecado original punido pela justiça divina, como no trecho bíblico:
“Não se deve permitir que ele tome também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva para sempre”.
Ou ainda pela revolta e insurreição da turba segregada.
Nesse castelo, envolto por uma natureza inventada e uma suposta conexão com um verde artificial, a cidade torna-se apenas uma vista deslumbrante, um olhar distante e elevado, separado do burburinho e das vidas que habitam as ruas.
Como escreveu Pascal, “o eterno silêncio dos espaços infinitos me espanta”.
Contra isso, não há muros, condomínios fechados ou youniverses limitados que possam proteger ou isolar alguém da miséria humana.
Kleber Frizzera
Dezembro de 2024
Um refúgio urbano
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