Infinito absoluto
M’llumino/ d’immenso (Ungaretti)
Ainda se acostumando com a recém-descoberta de um universo ilimitado e em expansão, originado de um big bang, explosão original, fomos apresentados a uma nova fronteira do conhecimento e da realidade, a inteligência artificial, IA. Como um sonho de totalidade, de viver o absoluto, esta singularidade artificial se propõe responder a todas as nossas perguntas, a reconhecer e ordenar as partes desconexas das coisas do mundo e ser capaz de fornecer fins, significados e sentidos à finitude humana e ao infinito do universo.
Infinito absoluto
Seremos afinal promovidos a uma parte constituinte da unidade cósmica, seremos os riscos e as imagens, as representações e os fins, atingiremos nosso desejo insano histórico, a eternidade, “quero profunda, profunda eternidade”, escreve Nietsche?
Segundo George Steiner, três relatos primordiais “falam de um fatal parentesco entre o conhecimento e o castigo”, a árvore da ciência no Paraiso, “que provoca a humanidade à transgressão”, o mito de Prometeu sentenciado, “por roubar a sabedoria teórica e prática dos deuses”, e finalmente a história de Fausto, cujo esforçado desejo de ilimitada inteligência “precipita sua alma ao inferno”.
Infinito absoluto
Nestas paralelas narrativas de uma aventura ilimitada, na ampliação da inteligência e no aumento da sensibilidade, lugares especiais, “por recôndito que sejam”, completa George Steiner, “o imã é o desconhecido, e o homem é o animal que pergunta”.
Para Rodney Brook, ex-diretor do laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, “Todos querem a vida eterna sem a inconveniência de ter que acreditar em Deus”, e quando dotados de uma inteligência ilimitada e de uma profunda sensibilidade, imaginamos viver felizes para sempre, como seres híbridos, como cyborgs, como homens máquinas.
Mas para aqueles que “ensenaran la eternidad”, escreve Dante, se inflige uma vingança divina seja à custa da sobrevivência pessoal ou do ostracismo social, seja pelo crescimento exponencial da concentração dos lucros e das desigualdades sociais, pois “Apesar de toda a conversa de que a IA é uma máquina geradora de riqueza ilimitada, as pessoas que estão ficando ricas são praticamente aquelas que já são ricas.”
Na revolução francesa, “o absolutismo terrestre substituiu o absoluto celeste”, o sagrado se viu transferido de Deus para o Homem, locus do saber, ponto de encontro entre o sensível e o inteligível, do material e o espirito, quando a arte se torna, diz Schiller, “uma representação do infinito’”.
Infinito absoluto
Com a inteligência articial, este sonho do século XIX adquire uma nova existência, surpreendente, em reportagem no New York Times, 11 de junho de 2023:
“O Vale do Silício antecipou o momento em que uma nova tecnologia surgiria e mudaria tudo. Uniria humanos e máquinas, provavelmente para melhor, mas possivelmente para pior, e dividiria a história em antes e depois. O nome desse marco: a singularidade. Uma possibilidade é que as pessoas adicionarão o poder de processamento de um computador à sua própria inteligência inata, tornando-se versões sobrecarregadas de si mesmas. Ou talvez os computadores se tornem tão complexos que pudessem realmente pensar, criando um cérebro global. A singularidade é um estilingue para o futuro?”
Infinito absoluto
Vivemos um momento único, singular para a humanidade, diante de novas possibilidades e ampliados riscos, de uma vida ilimitada, de inúmeras potencialidades e de desafios nunca navegados, e antecipadamente condenados?
Kleber Frizzera
Junho 2023
Kleber Frizzera
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1971) e mestrado em Arquitetura pela Ufes Universidade Federal do ES (1998). Foi secretário municipal de desenvolvimento da Prefeitura de Vitória/ES (2006/2012) e professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo ( 1978/2015) – https://www.ufes.br/. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente em projetos de arquitetura, arquitetura teoria e crítica, arquitetura áreas centrais, planejamento territorial e renovação urbana.
Infinito absoluto
Edição, Don Oleari – [email protected] – https://twitter.com/donoleari
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