O vinho
SÓ O HUMOR SALVA
RENATO FISCHER
Nunca fui tomador de vinho porque a maioria dos vinífagos é de meio veados (você está na minoria, fique tranquilo, nosso Editor Chefão).
Um amigo – até cortei amizade – ia lá pra casa e levava o seu vinho. Desdenhava dos meus. Tudo bem. Até melhor porque não precisava pagar vinho pra ele.
Mas um dia apareceu lá com um saca-rolha diferente. Disse que era pra não “ferir” a rolha. Precisei mandá-lo repetir pra eu entender, porque, sinceramente, ouvi “rosca”.
Tinha a ver com ele se fosse rosca. Mas não era. Era rolha. A explicação era de que a rolha “ferida” acidificava o vinho, caso ele deixasse parte pra beber depois.
Olha a diferença pro cervejófago: aqui a gente não deixa resto pra tomar depois; abriu, toma tudo. O veado, digo, vinífago, passa um paninho na garrafa com resto de vinho e guarda: de rolha pra baixo e bunda pra cima, pra tomar noutro dia.
Ah! Sim; ia me esquecendo. Levava sempre uma inseparável taça de cristal, irremediavelmente envolta com uma tela protetora.
O cervejófago bebe qualquer uma. Eu, quando o garçom me pergunta “qual cerveja?”, respondo: RG. Normalmente tenho que explicar, porque, em geral, eles não conhecem: Rápida e Gelada.
Não gosto de cerveja em que se privilegia o lúpulo em face do malte. Cerveja fica amarga e aguada. Mas se me oferecem Heineken, não recuso.
Meu amiguinho levava o vinho dele pra não correr o risco de eu lhe oferecer o Casal Garcia. Mas, daí a um saca-rolha já exagerava, né?
E não parou por aí. Costumava me ligar pra saber que tira-gosto eu iria servir. Fiquei curioso diante da curiosidade dele.
Explicou: preciso escolher um vinho que harmonize com seu tira-gosto. Aliás, no linguajar LGBTQIA+, tira-gosto se chama harmonizante.
Ele até se adiantou aos nossos queridos simpatizantes da causa lá do pomposo STF, que anos depois viriam a lançar um pregão pra compra de vinhos bi-premiados internacionalmente que se “harmonizassem” com lagostas.
E os do STF encontraram. Custou mais de 1 milhão de reais, pagos com impostos dos desdentados que comem canjica harmonizada com água.
Mas a gota d’água com meu amiguinho vinífago foi quando ele chegou lá em casa munido de sua garrafinha de vinho, toalhinha branca, a tacinha com sua proteção, também branca, o inseparável saca-rolha e uma novidade: um termômetro.
Aberta a garrafa, ele instalou o termômetro na boca da mesma e aguardou algum tempo, diante da minha impaciência pra saber qual era a nova bichice.
Ele explicou: pra saber se o vinho apresenta uma temperatura compatível pra degustação na temperatura deste ambiente.
Me senti desambientado.
Então expliquei pra ele: olha, seu vinho está perfeitamente perfeito pra ser bebido neste ambiente. Mas você não está apto a frequentá-lo porque aqui não é lugar de veado.
Se desapegou de mim. Muito radical.
Renato Fischer é jornalista, médido e empresário
O vinho
Nota da redação: nosso amigo e leitor Jorge Bacalhauzinho (no FB), sabedor da crônica do Renato Fischer, sugeriu esse vinho português da foto.
“A Era do Isolamento: Estamos Perdendo a Capacidade de Nos Conectar?”
Sportotal | Torneio solidário de Beach Tennis
Edição, Don Oleari – [email protected] | https://twitter.com/donoleari