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Rubens Pontes | Sereno ou revoltado, um rio sempre Doce | Rios sem Discurso, de João Cabral de Melo Neto

Sereno

Sereno

Coluna AQUI RUBENS PONTES:

Meus poemas de sábado

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Rubens Pontes,
jornalista

 

O Editor Chefão do Portal Don Oleari – www.donolear.com.br – e este colunista guardam lembranças de episódios relacionados com o Rio Doce que os marcaram para sempre.

Lembranças mais antigas, o colunista, à época membro da assessoria de imprensa do governador de Minas, Juscelino Kubitschek, foi designado para acompanhar o então candidato à Presidência, em campanha eleitoral, à cidade de Governador Valadares

A equipe de apoio viajara na véspera, por rodovia.

Nosso meio de transporte era um avião monomotor de 4 lugares, incluindo o do piloto.

Tudo corria sem problemas até passarmos pelo Rio Piracicaba.

De repente, sem nenhum aviso, nuvens ameaçadoras nos envolveram e reduziram a quase zero a visão do entorno. O piloto, experiente, desceu até poucos metros acima do rio Doce e seguiu o curso das águas que passariam pelo nosso destino. O céu escuro em cima, o Rio Doce em baixo.

Confesso meu pavor, segurando com força de fazer doer minhas mãos no braço da poltrona, assustado mais ainda com o suor que banhava o rosto do piloto.

Olhei para trás, onde JK se sentara. O governador dormia serenamente, como se estivesse em sua cama no Palácio da Liberdade.

FDP, pensei.

Afinal, chegamos ao destino e o resto é História.

 capa-do-jornal-a-gazeta-de-5-de-fevereiro-de-1979-173522-article-1-1-e1685150761551.jpgO episódio com nosso Editor Chefão ocorreu quando ele, homem de comunicação, fazia cobertura de uma das mais dramáticas cheias do Rio Doce.

“Foi um dos maiores eventos de reportagem do Rádio brasileiro de todos os tempos”, disse com orgulho e entusiasmo o professor Renato Costa Pacheco, presidente empossado da Fundação Cultural do Espírito Santo.

Ele se referia à cobertura do jornalista comandada pelo radialista Oswaldo Oleari e uma  aguerrida equipe de jornalismo ao dramático transbordamento do Rio Doce que arrasou núcleos de população às suas margens em 1979.

No front da calamidade, durante 12 dias ininterruptos, em cerca de 20 horas no ar, o radialista e Marcão  – Marcos José Lima – narrarram pela Rádio Espírito Santo, com repercussão internacional, a catastrófica ocorrência.

Um trabalho sem precedência.

Maior bacia hídrica

Berço da maior bacia hídrica do Sudeste, o Rio Doce percorre 853 quilômetros, banhando 11 municípios do Espírito Santo depois de passar por 29 cidades mineiras.

Nasce na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, percorre 897 quilômetros cruzando o Espírito Santo de Leste a Oeste nos municípios de Baixo Guandu, Colatina, Marilândia, até desaguar no mar de Regência, em Linhares.

É o nosso rio Nilo, sem as pirâmides, mas reconhecido como o terceiro pôr-do-sol mais bonito do mundo, registrado na cidade de Colatina.

Já em 1781, frei Santa Rita Durão cantava em versos o Rio Doce e a bela paisagem por ele moldada no poema “Caramuru”, a história do náufrago português que viveu entre os índios tupinambás; cronologicamente, o nosso Rubem Braga, em 1949 e depois em 1954, escreveu crônicas sobre o trecho do rio percorrendo o Espírito Santo.

Sereno

Ziraldo, mineiro de Caratinga, Roberto Drummond e Carlos Drummond de Andrade, ambos também mineiros, descreveram em desenhos, em prosa e em versos, o Rio Doce e suas paisagens de um lado e de outra margem percorridas, e também em composições musicais de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.

Um dos seus versos marcantes canta com sonoridade:

Onde existir parece que é nada

Mas viver é mansamente brotar.

 a-tragedia-de-mariana-1-e1685150384710.jpgEsse mesmo e belo Rio Doce tem sofrido dos mesmos homens que o admiram violências que provocam reações danosas para os ribeirinhos.

O rompimento de uma barragem em Mariana, em 2015, não será um episódio isolado. Foi a tragédia de Mariana.

O rio superou essas agressões e continua marcando a História do Espírito Santo, hoje um pouco menos volumoso, mas conduzindo com ele unidades de conservação – parques nacionais e estaduais e até áreas de reserva indígena.

Um pouco de história

O território, pelos capixabas herdado, era um campo novo e agressivo para os que buscavam conquistá-lo,  sempre com dois principais objetivos, o enriquecimento e a conquista de fiéis para a Igreja.

Para isso teriam de ser superados obstáculos desconhecidos, a hostilidade de indígenas e a mata espessa que cobria a região.

À frente de 50 portugueses e índios da região, o desbravador Martins de Carvalho se baseou em informações de que “certos índios do Sertão portavam  pedras verdes, supostamente esmeraldas,” e se aventurou 220 léguas  (1.300 quilômetros) terra a dentro em oito meses de busca infrutífera.

Pero de Magalhães Gandavo, historiador da época, escreveu que a canoa em que “vinhão os grãos d’ouro que traziam pera amostra se perdeu numa cachoeira”.

Por volta de 1572, Sebastião Fernandes Tourinho, da Capitania de Porto Seguro, reuniu 400 homens para subir o Rio Doce em busca de pedras preciosas em um inacreditável trajeto de 380 léguas – mais de dois mil quilômetros – passando por Mandi (Guandu) e Ceci (Suaçuí).

A expedição teria encontrado uma ‘serra quase toda de cristal muito fino, a qual cria em si muitas esmeraldas e pedras azuis.”

A descoberta não foi confirmada, mas foi criada a lenda da Serra das  Esmeraldas e da Lagoa de Vapabuçu – um sonho que povoou os caminhos dos bandeirantes durante séculos.

Depois de quase duzentos anos de tentativas frustradas, o paulista Antônio Rodrigues Arzão, chegando a Vitória depois de navegar pelo Rio Doce, entregou ao capitão mor João Velasco de Molina três oitavas de ouro.

Foi nessa época que finalmente se chegou ao chamado ciclo do ouro, surto de riqueza que traria um salto de desenvolvimento tão espantosamente rápido que possibilitou, em 1721, a criação da nova Capitania de Minas Gerais.

 walter-aguiar-1-e1685151404727.jpgComo curiosamente registra o historiador Walter de Aguiar Filho (foto) no livro O Vale do Dio Doce, 2002,  até muito recentemente tinha-se o Ribeirão do Carmo, que corre entre Ouro Preto e Mariana, MG, como o manancial formador do Rio Doce.

Somente a partir 1950 se concluiu que o braço formador do grande curso dágua é o Rio Piranga, na Serra do Trapizonga, em Ressaquinha, percorrendo, a partir daí, 897 quilômetros até o litoral do Espírito Santo.

Os pernambucanos dizem que os rios Beberibe e Capiberibe despejam suas águas no mar para formar o Oceano Atlântico, os espírito-santenses, mais modestos e mais românticos, dizem que o rio que tanto amam, ao final do seu curso, abraça o mar para torná-lo mais doce.

O poema abaixo publicado é o reconhecimento do Portal e do Colunista e uma homenagem a todos os rios do mundo.

Rubens Pontes, jornalista

Capim Branco, MG

Rios sem Discurso

João Cabral de Melo Neto

 

Quando um rio corta, corta-se de vez

o discurso-rio de água que ele fazia;

cortado, a água se quebra em pedaços,

em poços de água, em água paralítica.

Em situação de poço, a água equivale

a uma palavra em situação dicionária:

isolada, estanque no poço dela mesma;

e porque assim estanque, estancada;

e mais: porque assim estancada, muda,

e muda porque com nenhuma comunica,

porque cortou-se a sintaxe desse rio,

o fio de água por que ele discorria.

 

O curso de um rio, seu discurso-rio,

chega raramente a se reatar de vez;

um rio precisa de muito fio de água

para refazer o fio antigo que o fez.

Salvo a grandiloquência de uma cheia

lhe impondo interina outra linguagem,

um rio precisa de muita água em fios

para que todos os poços se enfrasem:

se reatando, de um para outro poço,

em frases curtas, então frase e frase,

até a sentença-rio do discurso único

em que se tem voz a seca ele combate.

Edição, Don Oleari

https://twitter.com/donoleari

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Don Oleari - Editor Chefão

Don Oleari - Editor Chefão

Radialista, Jornalista, Publicitário.
Don Oleari Corporeitcham

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