centésimo macaco
Que nossa descendência encontre seu centésimo macaco que deflagre o salto de consciência da sociedade em valores convergentes de solidariedade, empatia, compaixão
Artigo |
Coluna CONTRAPONTO
Eustáquio Palhares
A dimensão social do homem – aqui, patrulhas do gênero, a referência é à espécie humana – foi primeiro definida pela filosofia com a sentença da sua natureza política considerando sua necessidade de vida em sociedade – ou na cidade, a polis.
A economia tratou de validá-la desde Adam Smith com seu conceito de “mão invisível”, quando o indivíduo na busca de seu particular interesse necessita interagir com outros, permutando valores.
A psicologia arrematou definitivamente essa constatação ao admitir a essencialidade dos relacionamentos como fator de sanidade mental.
Há correntes que prescrevem que enquanto só, o homem é um indivíduo. Na relação com o outro ele se constrói como pessoa. Uma pessoa, assim, é mais do que um indivíduo. Um animal, uma planta, uma rocha, são indivíduos.
A espiritualidade abstraiu o conceito em um nível ainda de difícil compreensão para a humanidade: se cada ser é um pequeno riacho que deságua na imensidão oceânica, a alteridade é um atestado de evolução: eu sou o outro, observadas as diferenças determinadas pelo nível de consciência experimentado na escalada evolutiva.
A questão política da convivência, porém, impõe-se como critério mais pragmático, funcional ou utilitarista desde que vivemos em sociedade. Mesmo que desmoralizada recorrentemente pela representação formal, a Política representa a emancipação desejável da sociedade quando prioriza o bem comum.
O pior crime que o mau político comete não é o que subtrai da sociedade pela corrupção, mas o quanto ele a prejudica ao desmoralizar o conceito, infundir ceticismo na coletividade que passa, então, a ter sua conduta como o padrão comportamental que prevalece.
É certo que as convenções – ou abstrações – sociais são determinantes do nível de evolução social. E a política passa a ser o mal a ser tolerado na impossibilidade de erradicá-lo. Uma indesejável convenção.
Derivadas da política, as ideologias representam cursos de opiniões que fragmentam a visão do mundo e, de modo nocivo, excludentes.
Cada grupo defende sua política – como cada confissão religiosa o faz proclamando-se como o único caminho para o Alto – como o melhor modelo de mundo, relativizando suas imperfeições e prometendo um estágio de bonança fixado na linha do horizonte.
Salvo, dentre todos os experimentos sociais registrados até aqui, o Cristianismo praticado nos três primeiros séculos da era cristã depois hediondamente desfigurado pelo poder temporal dos papas – e os exemplos da social democracia escandinava, onde a combinação das virtudes das duas ideologias com contrapesos aos seus excessos, moldam o melhor mundo possível conciliando liberdade e compromisso social.
Abaixo da latitude escandinava, o que se vê é o esgotamento de modelos à direita e à esquerda nutrindo radicalismo de ambas as partes.
Os modelos capitalistas praticam um financismo perverso – veja-se o quanto o compromisso com bancos representa no orçamento nacional, ao ponto de inventar-se jabuticabas como “resultados primários”, resultados das contas, mas sem contar o que se paga ao sistema financeiro.
E consideram os gastos para aplainar as assimetrias sociais como assistencialismo clientelista, rejeitando a função mais elevada do Estado de amparar os mais deserdados enquanto lhes provê meios de se habilitarem socialmente.
Já os socialistas vêem na supressão da liberdade e o rigoroso controle social – embora defendam a democracia renitentemente – o modo de se viabilizarem a título de promover a reparação de desigualdade que não conseguiram ao longo de toda a existência desses modelos.
Mesmo gerando castas que se aboletam nas estruturas administrativas que formam as elites tão reprovadas no sistema antagônico. Umas financeiras, outras burocráticas. Mas elites.
Excludentes, as opções do espectro político acenam com mais do mesmo, talvez se ressalvando a experiência solitária do Uruguai de Pepe Mujica, um esquerdista engajado cujos anos de reclusão – e reflexões inevitáveis – moldaram um admirável humanista que vislumbrou uma social democracia tropical.
Parafraseando um ícone da esquerda, Paulo Freire, o que não pode morrer é a esperança, porque ela é que afiança o futuro.
centésimo macaco
Ante outras perspectivas talvez valha a pena acreditar que as gerações vindouras possam experimentar e validar a teoria do Centésimo Macaco.
Antropólogos que faziam pesquisas num arquipélago na Polinésia nos anos 50 do século XX observavam o comportamento de macacos que viviam nas ilhas. Para obter aproximação com os animais, atiravam-lhes batatas cozidas que os bichos pegavam depois de vencer a relutância inicial da proximidade com os humanos.
Assim procederam no conjunto de ilhas cujos habitantes não se comunicavam.
Numa determinada ilha, uma macaquinha, depois de vários dias repetindo o comportamento, coçou a cabeça, foi até a água e lavou a batata que habitualmente se sujava com a areia onde era lançada. Assim, solitariamente, fez durante vários dias.
Passado um tempo, outro macaco, observando o comportamento da macaquinha, passou a fazer o mesmo. A dupla ficou alguns dias repetindo o procedimento.
Mais alguns dias e outro macaco se juntou à dupla. O trio manteve a formação por pouco tempo. Logo depois outro e outro somaram-se a ele. O grupo dos lavadores de batatas foi crescendo.
Ainda antes de alcançar a metade da população deu-se o fenômeno. Quando mais um macaco juntou-se aos que lavavam as batatas, simultaneamente, em todas as ilhas em que as batatas eram atiradas aos macacos esses passaram a lavá-las num sincronizado comportamento coletivo.
Os antropólogos criaram, então, a teoria do centésimo macaco.
O centésimo é uma abstração, a convenção do número X que quando adere ao comportamento predominante forma uma escala de representação que, agora explicada pela teoria quântica da não localidade, estende o comportamento a todos os membros do grupo, instituindo-o como o padrão da coletividade.
Torçamos então para que nossa descendência encontre seu centésimo macaco e que ele deflagre o salto de consciência da sociedade em valores convergentes de solidariedade, empatia, compaixão, alteridade e o equilíbrio de um Sistema pactuado que assegure a todos os mesmos direitos.
Significa promover a autêntica justiça social e prezar essa justiça ao garantir também que, assegurados direitos iguais a todos, os resultados sejam apropriados na justa medida do esforço que se despendeu para alcançá-los.
Eustáquio Palhares, jornalista, multimídia
centésimo macaco
Edição, Don Oleari – [email protected] –
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